DISCURSO PROFERIDO PELO PRESIDENTE DOS CONSELHOS DE ESTADO E DE MINISTROS DA REPÚBLICA DE CUBA, FIDEL CASTRO RUZ, NA SESSÃO DE ABERTURA DA CIMEIRA SUL
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Excelências,
Distintos delegados e convidados,
Nunca antes a humanidade teve um potencial científico-técnico tão formidável, uma capacidade de geração de riqueza e bem-estar tão extraordinária e nunca antes o mundo foi tão desigual e a iniqüidade, tão profunda.
As maravilhas tecnológicas que têm tornado menor o planeta em termos de comunicações e distâncias, coexistem com a enorme e cada vez maior distância entre riqueza e pobreza, entre desenvolvimento e subdesenvolvimento.
A globalização é uma realidade objetiva que põe de manifesto nossa condição de passageiros de um mesmo navio, este planeta habitado por todos. Mas, nesse barco, os passageiros viajam em condições muito desiguais.
Uma exígua minoria viaja em camarotes de luxo dotados de Internet, telemóveis, acesso a redes globais de comunicação; dispõem de dieta alimentícia abundante e balanceada; consomem água limpa; têm atendimento médico sofisticado e acesso à cultura.
Uma incomensurável e desconsolada maioria viaja em condições que se assemelham às horríveis travessias do comércio de escravos entre a África e a América no passado colonial. Amontoados em porões insalubres, com fome, doenças e desesperança, assim viajam nesse navio, 85% de seus passageiros.
É evidente que carrega injustiça demais para manter-se na superfície e segue um curso tão irracional e absurdo que não é capaz de chegar em porto seguro. Este navio parece destinado a chocar-se com um iceberg. Se isso acontecer, nos afundaremos todos.
Os Chefes de Estado e de Governo que aqui nos reunimos, representantes da imensa e dolorosa maioria, temos o direito e ainda mais, a obrigação de desviar o leme para corrigir esse rumo catastrófico. Temos a obrigação de ocupar o lugar que nos corresponde na ponte de comando para conseguir que todos naveguemos em condições de solidariedade, eqüidade e justiça.
Durante duas décadas, repetiu-se ao Terceiro Mundo um discurso simplista e único e se lhe impôs uma política única.
Foi-nos assegurado que o mercado sem regulamentação, a privatização máxima e a retirada do Estado da atividade econômica eram os princípios infalíveis para alcançar o desenvolvimento econômico e social.
Seguindo esses princípios, os países desenvolvidos e, em especial os Estados Unidos, as grandes multinacionais beneficiárias dessa política, e o Fundo Monetário Internacional planejaram, nas duas últimas décadas, a ordem econômica mundial mais hostil para o progresso de nossos países e também, a mais insustentável para a manutenção da vida em termos sociais e ambientais.
A globalização foi encerrada na camisa-de-força do neoliberalismo e como tal, tende a globalizar não o desenvolvimento, mas a pobreza; não o respeito à soberania nacional de nossos Estados, mas sua violação; não a solidariedade entre os povos, mas o "salve-se quem puder" no meio da competição desigual do mercado.
Duas décadas do chamado ajuste estrutural neoliberal tem deixado um saldo de fracasso econômico e desastre social que é dever dos políticos responsáveis encarar com o propósito de tomar as decisões imprescindíveis para arrancar o Terceiro Mundo deste beco sem saída.
O fracasso econômico é evidente. Sob políticas neoliberais, a economia mundial teve um crescimento global entre 1975 e 1998 que foi apenas a metade do atingido no período 1945-1975, com políticas keynesianas de regulação de mercados e ativa participação do Estado na economia.
Na América Latina, onde o neoliberalismo tem sido aplicado com ortodoxia doutrinária, o crescimento econômico da etapa neoliberal tampouco vai mais além da metade do que se obteve com políticas desenvolvimentistas dirigidas pelos Estados. A América Latina não tinha dívida logo depois do pós-guerra. Hoje devemos quase um milhão de milhões de dólares. A dívida por habitante á a mais alta do mundo. A diferença de renda entre os ricos e os pobres é também a mais alta do mundo. Há mais pobres, desempregados e famintos que nos piores tempos de sua história.
Com o neoliberalismo, a economia mundial não tem crescido mais rapidamente em termos reais, mas em troca se está multiplicando a instabilidade, a especulação, a dívida externa, o intercâmbio desigual, a tendência à ocorrência de crises financeiras mais freqüentes, a pobreza, a desigualdade e o abismo entre o Norte opulento e o Sul despossuído.
Crise, instabilidade, turbulência e incerteza tem sido os termos mais utilizados nos dois últimos anos para se referir à ordem econômica mundial.
A não regulacão neoliberal e a liberalização da conta de capital têm profundas repercussões negativas numa economia mundial onde floresce a especulação nos mercados de divisas e de derivados financeiros, nos quais se realizam transações diárias não inferiores a três milhões de milhões de dólares, a maioria das quais são totalmente especulativas.
Exige-se a nossos países maior transparência na informação e uma efetiva supervisão bancária, mas entidades financeiras como os fundos de cobertura, não oferecem informação sobre suas atividades, não têm regulação alguma e realizam operações com montantes muito superiores a todas as reservas dos bancos dos países do Sul.
No clima de especulação desmedida, os movimentos de capital de curto prazo tornam vulneráveis os países do Sul frente a qualquer contingência externa.
Obriga-se o Terceiro Mundo a imobilizar recursos financeiros e a endividar-se para manter reservas em divisas com a ilusão de resistir a ataques especulativos. Mais de 20% das receitas de capital nos últimos anos se imobilizaram como reservas e finalmente, foram incapazes de resistir a tais ataques, como se demonstrou na recente crise financeira iniciada no Sudeste Asiático.
Nos Estados Unidos, estão colocados uns 727 mil milhões de dólares procedentes das reservas dos Bancos Centrais do mundo. Isto dá lugar ao fato absurdo de que com suas reservas, os países pobres oferecem financiamento barato e a longo prazo ao país mais rico e poderoso do mundo, reservas que podem ser investidas não no desenvolvimento econômico, mas também no social.
Se Cuba tem podido fazer o que tem feito na educação, na saúde, na cultura, na ciência, no esporte e em outras esferas sociais, com êxito que ninguém no mundo questiona, apesar do bloqueio econômico que já dura quatro décadas, e ademais, tem revalorizado sete vezes sua moeda nos últimos anos, em relação ao dólar, isso foi possível pelo privilégio de não pertencer ao Fundo Monetário Internacional.
Um sistema financeiro que obriga os países a manter congelados tão volumosos recursos de que necessitam desesperadamente para proteger-se da instabilidade gerada pelo próprio sistema e propicia que os pobres financiem os ricos, é um sistema que deve ser demolido.
O mencionado Fundo Monetário Internacional é a organização emblemática do atual sistema monetário. Nela, os Estados Unidos desfruta de poder de veto sobre suas decisões.
Na recente crise financeira, o FMI demonstrou imprevisão, manejo torpe da crise uma vez iniciada, e imposição de suas cláusulas de condicionalidade que paralisam as políticas de desenvolvimento social dos governos, lhes criam graves problemas internos e lhes impedem de obter os recursos necessários nos momentos que mais os necessitam.
Já é hora de que o Terceiro Mundo demande com energia a demolição de um organismo que não oferece estabilidade à economia mundial e que funciona não para entregar fundos preventivos aos devedores e evitar crises de liquidez, senão para proteger e resgatar os credores.
Que racionalidade ou que ética pode haver numa ordem monetária internacional que permite a uns técnicos cujos cargos dependem do apoio norte-americano, planejar em Washington, programas de ajuste econômico sempre iguais para ser aplicados à enorme variedade de países e de problemas concretos do Terceiro Mundo?
Quem assume a responsabilidade quando os programas de ajuste ocasionam caos social, paralisam e desestabilizam países com grandes recursos humanos e naturais, como aconteceu na Indonésia e no Equador?
Para o Terceiro Mundo é de vital importância fazer desaparecer esta sinistra instituição e a filosofia que representa e substituí-la por um órgão regulador das finanças internacionais que funcione sobre bases democráticas e sem poder de veto para ninguém, que não seja um defensor exclusivo dos credores ricos, que não imponha condições ingerencistas e permita regular os mercados financeiros para frear a especulação desenfreada.
Uma forma possível para fazer isto seria estabelecer um imposto não de 0,1%, como propôs o genial Tobin, mas de 1% no mínimo às transações financeiras especulativas, que permitiria criar, ademais, um volumoso e necessário fundo, superior ao milhão de milhões de dólares por ano, para o verdadeiro, sustentável e integral desenvolvimento do Terceiro Mundo.
A dívida externa dos países subdesenvolvidos assombra pelo montante gigantesco, pelo escandaloso mecanismo de submissão e exploração que implica e pela ridícula forma proposta pelos países desenvolvidos para fazer-lhe frente.
Essa dívida supera já os US$ 2,5 milhões de milhões e tem tido na década atual um crescimento ainda mais perigoso que o dos anos 70.
Uma grande parte dessa nova dívida pode mudar de mãos com facilidade nos mercados secundários; está mais dispersa e é mais difícil de renegociar.
Uma vez mais devo repetir o que desde 1985 vimos expondo: a dívida já foi paga, se se levar em conta os termos em que foi contraída; o vertiginoso e arbitrário crescimento das taxas de juros do dólar na década anterior e as quedas de preços dos produtos básicos, fonte fundamental de receitas dos países que ainda estão por desenvolver-se. A dívida continua alimentando-se a si mesma num círculo vicioso onde se pede emprestado para poder pagar os juros.
Hoje é mais evidente que nunca que a dívida não é um problema econômico, mas político e, portanto, exige uma solução política. Não se pode continuar ignorando que se trata de um assunto cuja solução tem que vir fundamentalmente de quem tem os recursos e o poder para isso: os países ricos.
A chamada Iniciativa para a Redução da Dívida dos Países Pobres Altamente Endividados tem nome comprido e resultados muito curtos. O único qualificativo que merece é o de ridícula, pois se propõe aliviar 8,3% da dívida total dos países do Sul e, a quase quatro anos de atividade, só quatro países dos 33 mais pobres alcançaram passar o complicado processo e tudo para cancelar a insignificante cifra de US$2,700 milhões, que é 33% do que cada ano se gasta nos Estados Unidos somente em cosméticos.
A dívida externa é hoje um dos maiores obstáculos para o desenvolvimento e mais uma bomba pronta para explodir sob os alicerces da economia mundial em qualquer conjuntura de crise econômica.
Os recursos necessários para uma solução de fundo deste problema não são grandes, comparando-se com as riquezas e os gastos dos países credores. Só em financiar armas e soldados, quando já não há guerra fria, se gastam anualmente US$800 mil milhões, não menos de US$400 mil milhões em drogas estupefacientes e ademais, US$1 milhão de milhões em publicidade comercial tão alienante como as próprias drogas, para citar só três exemplos.
Como já referimos otras vezes com sincero realismo, a dívida externa do Terceiro Mundo é impagável e incobrável.
O comércio mundial continua sendo e o será cada vez mais, sob a globalização neoliberal, instrumento de domínio dos países ricos, fator de perpetuação e acentuação de desigualdades e cenário de forte pugna entre os países desenvolvidos para controlar os mercados do presente e do futuro.
O discurso neoliberal recomenda a liberalização comercial como fórmula única e absoluta para alcançar a eficiência e o desenvolvimento. Segundo ela, todos os países devem eliminar os instrumentos de proteção de seus mercados internos e as diferenças de desenvolvimento entre países, por grandes que sejam, não justificariam o desvio do caminho que pretende apresentar sem outra alternativa possível. Aos países mais pobres só se lhes reconhece, depois de árduas negociações na OMC, alguma pequena diferença nos prazos para entrar plenamente nesse nefasto sistema.
Enquanto o neoliberalismo repete o discurso sobre as oportunidades que oferece a abertura comercial, o peso dos países subdesenvolvidos nas exportações mundiais era inferior em 1998 ao de 45 anos atrás, em 1953. O Brasil com 8,5 milhões de quilômetros quadrados e 168 milhões de habitantes, e 51,100 milhões de dólares em exportações em 1998 exporta muito menos que a Holanda com 41,500 quilômetros quadrados, 15,7 milhões de habitantes, e 198,700 milhões de dólares em exportaçoes nesse mesmo ano.
A liberalização no comércio tem consistido, no essencial, numa eliminação unilateral de instrumentos de proteção por parte do Sul sem que os países desenvolvidos tenham feito o mesmo para permitir a entrada a seus mercados das exportações do Terceiro Mundo.
Os países ricos têm impulsionado a liberalização em setores estratégicos vinculados ao domínio tecnológico, nos quais desfrutam de enormes vantagens que o mercado sem regulamentação se encarrega de acrescentar. São os casos clássicos dos serviços, da tecnologia da informação, da biotecnologia e das telecomunicações.
Em troca, setores como a agricultura e os têxteis, de grande importância para nossos países, não têm conseguido eliminar as restrições já acordadas durante a Rodada Uruguai porque não correspondem aos interesses dos países desenvolvidos.
Nos países da OCDE, o clube dos mais ricos, o imposto alfandegário médio aplicado às exportações de manufaturas dos países subdesenvolvidos é quatro vezes maior que o que se aplica aos próprios países desse clube. Contra os países do Sul se levanta uma verdadeira muralha de barreiras não-alfandegárías.
Instaurou-se no comércio internacional um discurso hipócrita ultraliberal que se combina com um protecionismo seletivo imposto pelos países do Norte.
Os produtos básicos continuam sendo o elo mais fraco no comércio mundial. Para 67 países do Sul, estes produtos representam não menos de 50% de suas receitas por exportação.
A onda neoliberal varreu com os esquemas defensivos da relação de intercâmbio dos produtos básicos. O supremo ditame do mercado não podia tolerar distorção alguma e, portanto, os Convênios de Produtos Básicos e outras fórmulas defensivas para combater o intercâmbio desigual foram abandonadas. É por isso que produtos como o açúcar, o cacau, o café e outros similares têm hoje um poder aquisitivo equivalente a 20% do que tinham em 1960 e não alcançam sequer a cobrir os custos de produção.
O trato especial e diferenciado aos países pobres, que é o reconhecimento não só de enormes diferenças no desenvolvimento que impedem a aplicação de igual medida para ricos e pobres, mas também de um passado histórico colonial que exige compensação, tem sido conceituado não como um ato de justiça elementar e uma necessidade que não se pode ignorar, mas como um exercício temporal de caridade.
A fracassada reunião de Seattle expressou o cansaço e a oposição que a política neoliberal provoca em crescentes setores de opinião nos países do Sul e do próprio Norte.
Os Estados Unidos apresentou a Rodada de Negociações Comerciais que devia partir de Seattle como um degrau superior na liberalização comercial, sem preocupar-se e talvez, sem perceber, com a vigência de sua agressiva e discriminatória Lei de Comércio Exterior que inclui disposições como a chamada "Super-301" que é um mostruário de discriminação e ameaças de sanções a outros países por razões que vão desde a suposta aplicação de barreiras a produtos norte-americanos até a arbitrária, interesseira e muitas vezes, cínica qualificação que esse governo quer dar a outro sobre o tema dos direitos humanos.
Em Seattle ocorreu uma sublevação contra o neoliberalismo, que teve um antecedente no rechaço às tentativas para impor o Acordo Multilateral de Investimentos. São expressões de que o agressivo fundamentalismo de mercado, que tem ocasionado volumosas perdas a nossos países, está levantando uma forte e merecida rechaço mundial.
Somando-se às calamidades econômicas referidas, os altos preços que em certas ocasiões alcança o petróleo constituem um fator de substancial piora da situação dos países do Sul que são importadores absolutos deste recurso vital.
O Terceiro Mundo subministra ao redor de 80% do petróleo que se comercializa em nível mundial e desse total 80% se exporta para os países desenvolvidos.
Os países ricos podem pagar qualquer preço pela energia que desperdiçam para sustentar consumos suntuários e destruir o equilíbrio ecológico. Os Estados Unidos consomem anualmente, 8,1 toneladas de petróleo por habitante, enquanto os países do Terceiro Mundo consomem uma média de 0,8 de tonelada e, deles, os 48 mais pobres só 0,3.
Quando os preços sobem abruptamente de 12 a 30 dólares por barril, ou ainda mais, seu efeito é devastador sobre os países do Terceiro Mundo, somando-se aos impactos negativos que sobre eles já pesam a dívida externa, os baixos preços de seus produtos básicos, as crises financeiras e o intercâmbio desigual. Um novo intercâmbio dessa natureza, esta vez com seus próprios irmãos do Sul, surge demolidoramente.
O petróleo é um produto tão vital e de necessidade universal, que na realidade escapa às leis do mercado. Seu preço, de uma ou de outra forma, foi sempre decidido pelas grandes multinacionais ou pelos próprios países do Terceiro Mundo, exportadores de petróleo, associados em defesa de seus interesses.
Os preços baixos beneficiam fundamentalmente os países ricos e grandes esbanjadores de combustível. Limitam por sua vez, a busca e exploração de novas jazidas, o desenvolvimento de tecnologias que reduzem o consumo e protegem o meio ambiente e afetam os exportadores de nosso mundo. Os altos preços beneficiam os exportadores, são facilmente suportáveis pelos países ricos, mas em troca, são desesperançadores e destrutivos para a economia de grande parte do Terceiro Mundo.
Este é um bom exemplo de que, no comércio mundial, o tratamento diferenciado para países em condições desiguais de desenvolvimento deve constituir um princípio justo e imprescindível. É absolutamente injusto que Moçambique, um país pobre do Terceiro Mundo, com US$84 de PIB per cápita, tenha que pagar por um produto tão vital o mesmo preço que a Suíça, com US$43.400 per cápita: 516 vezes mais que Moçambique!
O Pacto de São José, concertado há vinte anos pela Venezuela e o México com um grupo de pequenos países da área, importadores de petróleo, é um bom precedente do que se pode e se deve fazer, levando em conta as condições particulares de cada um dos países do Terceiro Mundo em circunstâncias similares, ainda que evitando, esta vez, condicionamento algum pelo tratamento diferenciado que recebam.
Alguns não estão em condições de pagar mais de 10 dólares por barril, outros mais de 15 e nenhum, mais de 20 dólares.
O mundo dos países ricos, esbanjador e consumista, pode, em troca, pagar mais de 30 dólares por barril sem que se afetem. Se eles consumem 80% do que exportam os produtores do Terceiro Mundo, um preço inferior para os 20% restantes, ficaria vantajosamente compensado. Seria uma forma concreta e efetiva de converter a cooperação Sul-Sul num potente instrumento para o desenvolvimento do Terceiro Mundo. Fazer outra coisa equivaleria a nos devorar a nós mesmos.
No mundo globalizado, onde o conhecimento é a chave do desenvolvimento, a fenda tecnológica entre o Norte e o Sul se afunda mais em condições de crescente privatização da pesquisa científica e de seus resultados.
Os países desenvolvidos com 15% dos habitantes do planeta concentram 88% dos usuários da Internet. Só nos Estados Unidos há mais computadores que a soma dos existentes no resto do mundo. Estes países controlam 97% das patentes em nível global; recebem mais de 90% dos direitos de licenças internacionais, enquanto para muitos países do Sul o uso dos direitos de propriedade intelectual é inexistente.
O lucro se impõe acima das necessidades na pesquisa privada, os direitos de propriedade intelectual excluem do conhecimento os países subdesenvolvidos e a legislação de patentes não reconhece os conhecimentos nem os sistemas tradicionais de propriedade que são tão importantes no Sul.
A pesquisa privada se concentra nas necessidades dos consumidores ricos.
As vacinas são as tecnologias mais eficientes em relação com os gastos no atendimento da saúde, pois são capazes de prevenir a doença com uma dose que se administra uma só vez, mas produzem poucos lucros e são relegadas a respeito de medicamentos que requerem aplicações reiteradas e geram lucros maiores.
Os novos medicamentos, as melhores sementes e, em geral, as melhores tecnologias, formadas mercadorias, têm um preço somente ao alcance dos países ricos.
Os sombrios resultados sociais desta corrida neoliberal para a catástrofe, estão claros.
Em mais de cem países, a receita por habitante é inferior ao que era há 15 anos. Mil e seiscentas pessoas vivem agora pior que nos inícios da década de 80.
Mais de 820 milhões de pessoas estão desnutridas e delas, 790 milhões vivem no Terceiro Mundo. Estima-se que 507 milhões de pessoas que vivem hoje nos países do Sul, não passarão dos 40 anos de idade.
Dois de cada cinco crianças nos países do Terceiro Mundo, que aquí representamos, sofrem atraso no crescimento e um de cada três tem baixo peso para sua idade. 30 000 que poderiam se salvar morrem cada dia; 2 milhões de meninas são obrigadas a excercer a prostituição; 130 milhões não têm acesso à educação básica; enquanto 250 milhões de menores de 15 anos se vêem obrigados a trabalhar para sobrevivirem.
A ordem econômica mundial funciona para 20% da população, mas exclui, rebaixa e degrada o 80% restantes.
Não nos podemos resignar a entrar no próximo século como a retaguarda atrasada, pobre, explorada, vítima do racismo e da xenofobia, impedida de ter acesso ao conhecimento e sofrendo a alienação de nossas culturas pela mensagem estranha e consumista globalizada pela mídia.
Para o Grupo dos 77, a hora atual não pode ser de rogatórias aos países desenvolvidos, nem de submissão, derrotismo ou divisões internas, mas de resgate de nosso espírito de luta, da unidade e coesão em torno de nossas demandas.
Há 50 anos nos prometeram que um dia não haveria abismo entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos. Prometeram-nos pão e justiça e hoje, há cada vez menos pão e menos justiça.
O mundo poderá globalizar-se sob a égide neoliberal, mas é impossível governar milhares de milhões de pessoas famintas de pão e de justiça.
As imagens de mães e crianças que vemos em regiões inteiras da África sob o açoite da seca e de outras catástrofes, nos lembram os campos de concentração da Alemanha nazista, nos fazem ver de novo diante dos nossos olhos, as montanhas de cadáveres ou de homens, mulheres e crianças moribundos.
É necessário um Nuremberg para julgar a ordem econômica que nos impuseram, que a cada três anos mata de fome e de doenças previsíveis ou curáveis mais homens, mulheres e crianças que todos os que, em seis anos, a Segunda Guerra Mundial matou.
Que fazer é o que devemos discutir aqui.
Nós, em Cuba, dizemos: "Pátria ou morte!" Nesta conferência de Cimeira do Terceiro Mundo, nos caberia dizer: Ou nos unimos e cooperamos estreitamente, ou nos espera a morte!
Muito obrigado.