Notícias

Haiti: falta de esperança e despossuídos

A tragédia acentuada que vive o Haiti depois do terremoto se multiplica nos bairros mais pobres da capital, onde a falta de esperança embarga a maioria de seus habitantes, muitos deles vivendo quase à intempérie.

  Quando aqui se fala de pobreza, o primeiro lugar que vem à mente é Cité Soleil, um bairro onde o terremoto também fez estragos, mas se não causou danos superiores foi precisamente porque não encontrou em sua passagem muito mais para jogar no chão.

Cerca de três mil pessoas perderam a vida ali por causa do tremor, e se estimam em 15 mil os feridos, embora as casas de alvenaria não sejam as que abundam ali.

Dezenas de casebres de madeira e zinco desmoronaram, da mesma forma que outras de paredes de bloco ou de pedra, e telhadas com pedaços de telhas.

Em uma destas residia Lico Pierre, um haitiano de 37 anos, que apesar da falta de esperança em que vive, é capaz de posar com um sorriso nos lábios para mostrar ao mundo o teto que tenta levantar, "que não lhe protegerá de fortes chuvas, mas fará menos intenso o sol".

No dia 12 de janeiro, data do terremoto, havia passado apenas seis meses do dia em que Pierre terminou sua pequena casa em Cité Soleil, que pensava que seria para toda a vida, pois confessa achar que só um milagre lhe daria uma melhor.

Tinha reunido com muito trabalho os blocos, o cimento e outros materiais investidos, priorizados muitas vezes acima de uma melhor refeição.

Ali só viviam ele e sua esposa, e por sorte ambos estavam fora do lugar, tentando o pão de cada dia. Ela ajudando a lavar na casa de outra família, e ele em sua bicicleta, oferecendo força de trabalho ao primeiro empregador que encontrasse em seu caminho.

Pierre estava bem perto de Cité Soleil durante os intermináveis segundos que durou o terremoto. A primeira reação foi ir em busca de sua companheira, pois nesse momento não pensou na casa recém construída.

Umas duas horas após o abalo sísmico, aventurou-se a penetrar no labirinto da favela, onde ainda se podiam sentir os desabamentos posteriores.

Na área onde estava sua casa não havia muitos desmoronamentos, os vizinhos permaneciam assustados e tentavam proteger seus poucos pertences, mas as pequenas casas eram as mesmas.

Frente a seus olhos, segundo recorda, só faltavam três moradias, e uma era a sua.

Terríveis foram os dias que seguiram o terremoto, imerso na disjuntiva de cuidar do espaço que ocupava a casa e os materiais, e expor-se às consequências de novas réplicas naquele tecido de estruturas fracas, a toda luz vulneráveis a outros tremores.

Assim decorreram mais de três semanas na vida de Pierre, vivendo à intempérie com sua esposa, até que decidiu seguir os passos de muitos de seus vizinhos, que se mudaram para um deserto solar em Cité Soleil.

Ali levantava seu novo teto enquanto contava esta história à Prensa Latina, utilizando paus desnutridos e pedaços de nylon, consciente de que essa armação pouco poderá fazer para proteger o casal da próxima temporada de chuvas, mas a seu alcance não há muito que possa fazer.

"Todos estamos iguais, olhe você a suas costas, todas as famílias só têm essas casas, aqui não trouxeram casas de campanha", comentou Pierre.

Entre as ruínas, conseguiu resgatar a cama, o colchão, algumas almofadas e uns poucos implementos de cozinha.

Sua bicicleta, um saco com artigos de diferentes tipos recuperados no lixo, um carrinho e uma velha maleta com roupas surradas completam todos seus os bens.

"E não temos nada para comer, não há trabalho, não temos dinheiro para comprar nada, e aqui não chega comida, água algumas vezes, mas comida muito pouca", assinalou.

As anomalias na distribuição das ajudas segue sendo um tema preocupante no país, no entanto, no caso de Cité Soleil seus efeitos negativos regeneram-se, e podem implicar em um espiral maior de violência no já convulso bairro, onde se estima que residam cerca de 300 mil pessoas.

Doze dias após o terremoto foi que seus moradores receberam os primeiros carregamentos de alimentos, repartidos a ponta de fuzil pelas forças da ONU e outros contingentes militares que operam no país.

A violência que tem imperado historicamente no bairro poderia ser maior em tempos de terremoto e carências acentuadas, caso se leve em conta que uma boa parte dos presos que escaparam ao se destruir o cárcere eram de Cité Soleil, e segundo as autoridades retornaram a seu lugar de origem.

Fonte: 

Prensa Latina

Data: 

08/02/2010