Cuba tem o firme convencimento de que a situação humanitária no Haiti não é um tema da incumbência do Conselho de Segurança mas sim da Assembleia Geral
Senhor presidente da República da Colômbia e do Conselho de Segurança, Juan Manuel Santos:
Há apenas um ano, mais de 150 governos e outros atores internacionais nos comprometemos na sede desta organização a cooperar para a recuperação e reconstrução do Haiti, após o desastre provocado pelo terremoto de 12 de janeiro desse ano. Em termos declarativos, foi um exemplo louvável de solidariedade.
Os montantes comprometidos de US$ 9 bilhões para a reconstrução, dos quais 5 mil seriam desembolsados nos primeiros dois anos, além das contribuições adicionais em espécie, embora fossem insuficientes, refletiam uma decisão inegável de cooperar.
O princípio declarado de encaminhar esta ajuda levando em conta as prioridades do governo haitiano, para fortalecer a autoridade do Estado, significava um respeito universal à soberania desse sofrido país e às prerrogativas de suas autoridades governamentais.
Parecia existir um desejo universal de ajudar a essa nação heróica, a primeira em eliminar o jugo colonial e em abolir a escravidão no hemisfério americano.
Infelizmente, o acontecido a partir desse momento não tem sido consistente com o espírito que primou naquela conferência de 31 de março de 2010. Contudo, muitos dos auto-proclamados "doadores principais" continuam dedicando recursos exorbitantes à guerra e à intervenção militar.
Os montantes de ajuda financeira e material comprometidos, embora insuficientes ante a gravidade do problema, não foram desembolsados. Não se respeitou a decisão do governo haitiano, nem foram atendidas suas prioridades. A reconstrução do Haiti, com a qual todos nos comprometemos, é uma tarefa pendente.
Nos meses posteriores ao sismo, o Haiti parecia ser despedaçado pelos governos dos países mais poderosos e industrializados que distribuíam suas ajudas, de maneira arbitrária e arrogante, mediante vorazes companhias e algumas de suas ONGs.
Até hoje, os fundos e os recursos são encaminhados sem o controle do governo haitiano, provocando o esbanjamento, a corrupção e a satisfação de interesses muito marginais ou seletivos.
Cuba compartilha as preocupações expressas pelos chefes de governo do Caricom no comunicado emitido por sua reunião de 26 de fevereiro passado, quando se referiram, com sentido crítico, ao Fundo de Recuperação, à Comissão interina de Recuperação do Haiti, a seus métodos de trabalho, ao necessário respeito às prioridades do governo haitiano e ao fluxo insuficiente dos recursos comprometidos.
Senhor presidente:
Cuba concentra seus esforços na área que maior impacto pode conseguir, a saúde pública, elemento-chave da sustentabilidade e estabilidade social do Haiti.
Em coordenação com a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América e sob as indicações e prioridades do governo haitiano, trabalhamos sem descanso na posta em funcionamento dum programa de reconstrução do sistema nacional de saúde, cujo objetivo é satisfazer as necessidades sanitárias de 75% da população mais carente, com um mínimo de despesas.
Desde 12 de janeiro de 2010 até hoje, receberam atendimento médico quase 2 milhões de pacientes, foram realizadas mais de 36 mil operações e quase 8.500 partos. Mais de 465 mil pacientes receberam tratamento de reabilitação.
Se prestam serviços em 23 hospitais comunitários de referência, em 30 salas de reabilitação, 13 centros de saúde, dois centros cirúrgicos oftalmológicos e no laboratório de saúde pública. Nos 10 departamentos do país se leva a cabo um Programa Integral de Higiene e Epidemiologia.
O programa de cooperação levado a cabo por Cuba tem hoje 1. 117 cooperadores da saúde, deles 923 são cubanos e 194 de vários países, formados em Cuba.
As contribuições solidárias e generosas do presidente da Venezuela, Hugo Chávez Frias têm sido essenciais. Com o Brasil também temos trabalhado estreitamente, mediante um Acordo Tripartido com o Haiti.
Cuba também tem recebido o apoio de vários países para a execução deste programa de saúde. A Namíbia, Noruega, África do Sul, Austrália e Espanha contribuíram, juntamente com doadores individuais, com mais de US$ 3,5 milhões.
Estamos dispostos a trabalhar com qualquer país ou organização que, de maneira estritamente humanitária, com respeito e em coordenação com o governo haitiano, decida participar da reconstrução e desenvolvimento de seu sistema de saúde.
Simultaneamente, os médicos cubanos também têm enfrentado uma grave epidemia de cólera. Para essa tarefa foram destinados 67 centros, onde foram atendidos mais de 73 mil pacientes, a terceira parte de todos os casos de cólera atendidos no país. Deles, somente 272 pessoas morreram, para uma taxa de letalidade de 0,37%, inferior em cinco vezes à do resto das instituições presentes no Haiti. Para isto foi preciso abnegação e espírito de sacrifício, sobretudo em horas noturnas. Nos últimos 77 dias consecutivos, nosso pessoal da saúde não teve óbitos por causa da cólera.
Uma nova experiência foi a criação dos Grupos de Pesquisa Ativa "Sub-comuna Adentro", que permitiu estudar quase 1.700 mil pessoas que vivem em comunidades sem acesso aos serviços de saúde, e diagnosticar mais de 5.300 casos de cólera em seus próprios lares.
Trago estes dados com muita modéstia, somente para argumentar com exemplos práticos nossa convicção de que o que o Haiti necessita é uma ajuda substancial e desinteressada, estreitamente coordenada com seu governo, que contribua para seu desenvolvimento e para superar as sérias dificuldades e desigualdades socioeconômicas que afetam o país e impedem a estabilidade e o progresso de seu povo.
Senhor presidente:
O Haiti não precisa de uma força de ocupação, não é, nem pode converter-se num protetorado das Nações Unidas.
O papel das Nações Unidas é apoiar o governo e o povo haitiano na consolidação de sua soberania e autodeterminação. As forças da Minustah têm estado nesse país para uma missão muito específica de promoção da estabilidade, que deveu e deve respeitar-se rigorosamente. A Minustah não tem prerrogativas políticas para intervir em assuntos internos que somente são da incumbência dos haitianos, e não deve fazê-lo. Não podemos aceitar que participe das opções eleitorais ou que pressione as autoridades soberanas num sentido ou noutro. Também não tem nenhuma autoridade para falar em nome do Haiti.
Cuba tem o firme convencimento de que a situação humanitária do Haiti não é um tema da incumbência do Conselho de Segurança mas sim da Assembleia Geral de quem frequentemente usurpa suas faculdades. Esta não é uma questão que ameaça a paz e a segurança internacional, nem que se resolve com forças militares concebidas para manter a paz. Também são conhecidas as sérias consequências das omissões, dos excessos, da dúbia moral e dos procedimentos antidemocráticos deste Conselho.
Os problemas dessa nação irmã são provocados, fundamentalmente, por séculos de saque colonial e neocolonial, pelo subdesenvolvimento, pela imposição de uma das ditaduras mais longas e sangrentas que nossa região viveu e pela intervenção estrangeira.
O direito inalienável do povo haitiano à independência e à autodeterminação deveria ser, finalmente, respeitado.
O Haiti necessita recursos para a reconstrução e recursos para o desenvolvimento. Necessita compromisso humanitário e não intervenção nem manipulação política. É necessário um mínimo de generosidade em vez de tanto egoísmo.
Muito obrigado