Discurso proferido pelo Comandante-em-Chefe Fidel Castro Ruz à sua chegada a Havana, na Cidade Liberdade, em 8 de janeiro de 1959
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Sei que ao falar nesta noite aqui, tenho uma das obrigações mais difíceis, se calhar, neste longo processo de luta que começou em Santiago de Cuba, a 30 de novembro de 1956.
O povo escuta, escutam os combatentes revolucionários e escutam os soldados do Exército, cujo destino está em nossas mãos.
Acho que este é um momento decisivo de nossa história: a tirania foi derrocada. A alegria é imensa. Contudo, ainda resta muita coisa por fazer. Não nos enganamos acreditando que daqui em diante tudo será fácil; talvez daqui em diante tudo seja mais difícil.
Dizer a verdade é o primeiro dever de todo revolucionário. Enganar o povo, avivar nele enganosas ilusões, sempre traria as piores consequências, e acho que o povo tem que ser alertado contra o excesso de otimismo.
Como ganhou a guerra o Exército Rebelde? Dizendo a verdade. Como perdeu a guerra a tirania? Enganando os soldados.
Quando sofríamos uma derrota, declarávamos isso na “Radio Rebelde”, censurávamos os erros de qualquer oficial que o tivesse cometido, e advertíamos a todos os companheiros para que não lhe fosse a acontecer o mesmo a qualquer outra tropa. Não acontecia assim com as companhias do Exército. Diferentes tropas caiam nos mesmos erros, porque aos oficiais e aos soldados jamais lhes diziam a verdade.
E por isso quero começar —aliás, continuar— com o mesmo sistema: o de falar sempre a verdade para o povo.
Caminhou-se um trecho, talvez um passo de avanço considerável. Aqui estamos na capital, aqui estamos em Colúmbia, parecem vitoriosas as forças revolucionárias; o governo está constituído, reconhecido por numerosos países do mundo, ao que parece foi conquistada a paz; contudo, não devemos ficar otimistas. Enquanto o povo ria hoje, enquanto o povo se alegrava nós ficávamos preocupados; e enquanto mais extraordinária era a multidão que acudia a receber-nos, e enquanto mais extraordinário era o júbilo do povo, maior era nossa preocupação, porque maior era também nossa responsabilidade diante da história e diante do povo de Cuba.
A Revolução já tem enfrente um Exército em prontidão para o combate. Quem daqui em diante podem ser os inimigos da Revolução? Quem podem ser diante deste povo vitorioso, doravante, os inimigos da Revolução? Os piores inimigos que doravante poderá ter a Revolução Cubana, somos os próprios revolucionários.
É o que sempre lhes falava aos combatentes rebeldes: quando não tenhamos diante o inimigo, quando a guerra conclua, os únicos inimigos da Revolução podemos ser nós próprios, e por isso sempre dizia, e digo, que com o soldado rebelde seremos mais rigorosos que com ninguém, que com o soldado rebelde seremos mais exigentes do que com ninguém, porque deles dependerá que a Revolução triunfe ou fracasse.
Tem muitas classes de revolucionários. De revolução temos ouvido falar há muito tempo; até no dia 10 de março se falou que fizeram uma revolução, e invocavam a palavra revolução, e tudo era revolucionário; aos soldados os reuniam aqui e lhes falavam da “Revolução de 10 de março” (RISOS).
Há muito tempo que ouvimos falar em revolucionários. Eu me lembro das minhas primeiras impressões de revolucionário, até que o estudo e alguma maturidade me deram noções do que era realmente uma revolução e do que era realmente um revolucionário. As primeiras impressões relativamente a um revolucionário as escutávamos quando éramos crianças, e ouvíamos dizer: “Fulano foi revolucionário, esteve em tal combate, ou em tal operação, ou colocou bombas”, “Beltrano era revolucionário...”, inclusive foi criada uma casta de revolucionários, e então tinha revolucionários que queriam viver da revolução, queriam viver a título de terem sido revolucionários, de terem colocado uma bomba ou duas bombas; e é possível que os que mais falavam fossem os que menos tinham feito. Mas, é verdade que acudiam aos ministérios à procura de vagas, a viverem de parasitas, a cobrar o preço daquilo que tinham feito naquele momento, por uma revolução que infelizmente não chegou a realizar-se, porque estimo que a primeira que parece que tem maiores possibilidades de realizar-se é a Revolução atual, se nós não a estragamos... (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!” e APLAUSOS).
Aquele revolucionário das minhas primeiras impressões de criança andava com uma pistola 45 na cintura, e queria viver a seu bel-prazer; era preciso ter medo dele: era capaz de matar qualquer um; chegava ao gabinete dos altos funcionários com ar de homem ao qual era preciso ouvir; e na verdade a gente se perguntava:
Cadê a revolução que esta gente fez, estes revolucionários? Porque não houve revolução, e houve muito poucos revolucionários.
A primeira coisa que devemos perguntar-nos os que fizemos esta Revolução é, com que intenções a fizemos?; Se em algum de nós se ocultava uma ambição, um afã de mando, um propósito ignóbil; se em cada um dos combatentes desta Revolução havia um idealista ou com o pretexto do idealismo se perseguiam outros fins; se fizemos esta Revolução pensando que mal fosse derrocada a tirania íamos desfrutar dos benefícios do poder; se cada um de nós ia ter um “carrão”, se cada um de nós ia viver que nem rei, se cada um de nós ia ter um palacete, e daqui em diante para nós a vida seria um passeio, visto que para isso tínhamos sido revolucionários e tínhamos derrubado a tirania; se o que estávamos pensando era tirar uns ministros para colocar outros, se o que estávamos pensando simplesmente era tirar uns homens para colocar outros; ou se em cada um de nós existia um verdadeiro desinteresse, se em cada um de nós existia um verdadeiro espírito de sacrifício, se em cada um de nós existia o propósito de dar tudo a câmbio de nada, e se de antemão estávamos dispostos a renunciar a tudo o que não fosse seguir cumprindo sacrificadamente com o dever de sinceros revolucionários (APLAUSOS PROLONGADOS).
É preciso que a gente se faça essa pergunta, porque de nosso exame de consciência pode depender muito o destino futuro de Cuba, de nós e do povo. Quando ouço falar em colunas, quando ouço falar em frentes de combate, quando ouço falar em tropas mais ou menos numerosas, sempre penso: eis nossa coluna mais firme, nossa melhor tropa, a única tropa que é capaz de ganhar a guerra sozinha: Essa tropa é o povo! (APLAUSOS.)
Mais do que o povo não pode nenhum general; mais do que o povo não pode nenhum Exército. Se a mim me perguntassem que tropa prefiro comandar, eu diria: prefiro comandar o povo (APLAUSOS), porque o povo é invencível. E o povo foi que ganhou esta guerra, porque nós não tínhamos tanques, nós não tínhamos aviões, nós não tínhamos canhões, nós não tínhamos academias militares, nós não tínhamos campos de recrutamento e de treino, nós não tínhamos divisões, nem regimentos, nem companhias, nem pelotões, nem esquadras sequer (APLAUSOS PROLONGADOS).
E aí?, Quem ganhou a guerra? O povo, o povo ganhou a guerra. Esta guerra não a ganhou ninguém mais do que o povo —e falo isso caso alguém pensasse que foi ele que ganhou a guerra, ou por se alguma tropa acha que foi que ganhou a guerra (APLAUSOS). Portanto, antes de nada está o povo.
Porém, tem mais uma coisa: a Revolução não me interessa a mim como pessoa, nem a outro comandante como pessoa, nem ao outro capitão, nem à outra coluna, nem à outra companhia; a Revolução é do interesse do povo (APLAUSOS).
Aquele que ganha ou perde com ela é o povo. Se o povo foi quem sofreu os horrores destes sete anos, o povo é quem tem que se perguntar se dentro de 10 ou dentro de 15, ou de 20 anos, ele, e seus filhos, e seus netos, vão continuar sofrendo os horrores que têm sofrido desde seu início a República de Cuba, coroada de ditaduras como as de Machado e as de Batista (APLAUSOS PROLONGADOS).
Ao povo lhe interessa muito se nós vamos fazer bem feita esta Revolução ou se nós vamos incorrer nos mesmos erros em que incorreu a revolução anterior, ou a anterior, ou a anterior, e em consequência vamos sofrer as consequências dos nossos erros, porque não tem erro sem consequências para o povo; não tem erro político que não se pague, mais tarde ou mais cedo.
Existem circunstâncias que não são as mesmas. Por exemplo, estimo que desta vez exista mais oportunidade do que nunca de que na verdade a Revolução cumpra seu destino cabalmente. Talvez por isso seja tão grande o júbilo do povo, esquecendo-se um pouco do muito que é preciso lutar ainda.
Um dos maiores anseios da nação, consequência dos horrores padecidos, pela repressão e pela guerra, era o anseio de paz, de paz com liberdade, de paz com justiça, e de paz com direitos. Ninguém queria a paz a outro preço, porque Batista falava de paz, falava de ordem, e ninguém queria aquela paz, porque tivesse sido a paz a custas da imposição.
Hoje o povo tem a paz como queria: uma paz sem ditadura, uma paz sem crime, uma paz sem censura, uma paz sem perseguição (APLAUSOS PROLONGADOS).
É possível que a maior alegria neste instante seja a alegria das mães cubanas. Mães de soldados ou mães de revolucionários, mães de qualquer cidadão; hoje experimentam a sensação de que seus filhos, por fim, estão fora de perigo (APLAUSOS).
O maior crime que possa ser cometido hoje em Cuba, repito, o maior crime que possa ser cometido hoje em Cuba seria um crime contra a paz. O que ninguém perdoaria hoje em Cuba seria que alguém conspirasse contra a paz (APLAUSOS).
Todo aquele que faça alguma coisa contra a paz de Cuba, todo aquele que hoje faça alguma coisa que coloque em perigo a tranquilidade e a felicidade de milhões de mães cubanas, é um criminal e é um traidor (APLAUSOS). Aquele que não estiver disposto a renunciar a alguma coisa pela paz, quem não estiver disposto a renunciar tudo pela paz nesta hora, é um criminal e é um traidor (APLAUSOS).
Como eu penso assim, digo e juro diante dos meus compatriotas que se qualquer um dos meus companheiros, ou do nosso movimento, ou eu, fôssemos o menor obstáculo para a paz de Cuba, desde agora mesmo o povo pode dispor de todos nós e dizer o que temos que fazer (APLAUSOS). Porque sou um homem que sabe renunciar, porque o demonstrei mais de uma vez em minha vida, porque ensinei isso aos meus companheiros, tenho moral e me sinto com força e autoridade suficientes para falar em um instante como este (APLAUSOS e EXCLAMAÇÕES DE: “Viva Fidel Castro!”).
E aos primeiros que devo falar-lhes assim é aos revolucionários; e se for preciso, aliás, porque é preciso dizê-lo a tempo.
Não fica tão longínqua aquela década que se seguiu à queda de Machado; talvez um dos maiores males daquela luta fosse a proliferação dos grupos revolucionários, que não tardaram brigar aos tiros uns contra os outros (APLAUSOS). E em consequência o que se passou é que chegou Batista e ficou 11 anos no poder.
Quando o Movimento 26 de Julho se organizou, inclusive quando iniciamos esta guerra, eu considerei que se bem eram muito grandes os sacrifícios que estávamos fazendo, que se bem a luta ia ser muito longa, e tem sido, porque durou mais de dois anos, dois anos que não foram para nós um passeio, dois anos de duro batalhar, desde que reiniciamos a campanha com um punhado de homens, até que chegamos à capital da República apesar dos sacrifícios que tínhamos por diante, nos tranquilizava, contudo, uma ideia: era evidente que o Movimento 26 de Julho contava com a esmagadora maioria do apoio e da simpatia popular (APLAUSOS); era evidente que o Movimento 26 de Julho contava com o apoio quase unânime da juventude cubana (APLAUSOS). Parecia que desta vez uma organização grande e forte ia recolher as inquietações do nosso povo e as terríveis consequências da proliferação de organizações revolucionárias não ia acontecer neste processo.
Acho que todos devíamos ficar desde o primeiro momento em uma única organização revolucionária: a nossa ou a do outro, 26, 27 ou 50, na qual fosse, porque, afinal éramos os mesmos os que lutávamos na Sierra Maestra que os que lutávamos no Escambray, ou em Pinar do Río, e homens jovens, e homens com os mesmos ideais, por que tinha que existir meia dúzia de organizações revolucionárias? (APLAUSOS.)
A nossa, simplesmente foi a primeira; a nossa, simplesmente foi a que levou a cabo a primeira batalha no Moncada, a que desembarcou no “Granma” a 2 de dezembro (APLAUSOS), e a que lutou sozinha durante mais de um ano contra toda a força da tirania (APLAUSOS); a que quando não tinha mais do que 12 homens, manteve ao alto a bandeira da rebeldia, a que ensinou o povo que se podia lutar e se podia vencer, a que destruiu todas as falsas hipóteses sobre revolução que existiam em Cuba. Porque aqui toda a gente estava conspirando junto do cabo, do sargento, ou metendo armas em Havana, que as pegavam da polícia (APLAUSOS), até que viemos nós e demonstramos que essa não era a luta, que a luta tinha que ser outra, que era preciso inventar uma nova tática e uma nova estratégia, que foi a tática e a estratégia que nós colocamos em prática e que conduziu ao mais extraordinário triunfo que teve em sua história o povo de Cuba (APLAUSOS).
E quero que honradamente o povo me diga se isto é ou não é verdade (APLAUSOS e EXCLAMAÇÕES DE: “Sim!”)
De fato, também tem outra questão: o Movimento 26 de Julho era a organização absolutamente maioritária, não é verdade? (EXCLAMAÇÕES DE: “Sim!”) E, como terminou a luta? Vou dizê-lo: o Exército Rebelde, que é o nome do nosso Exército, daquele que iniciou na Sierra Maestra, ao cair a tirania tomou todo Oriente, todo Camagüey, parte das Villas, todo Matanzas, La Cabaña, Columbia, a Chefia da Polícia e Pinar do Río (APLAUSOS).
Terminou a luta de acordo com a correlação de forças que existia, porque por algo nossas colunas atravessaram as planícies de Camagüey, perseguidas por milhares de soldados e pela aviação, e chegaram a Las Villas; e porque o Exército Rebelde tinha o comandante Camilo Cienfuegos (APLAUSOS PROLONGADOS), em Las Villas, e porque tinha o comandante Ernesto Guevara em Las Villas (APLAUSOS PROLONGADOS) no dia 1º de janeiro, aquando da traição de Cantillo (EXCLAMAÇÕES DE: “Fora!”)... Porque ali estavam, digo, no dia Primeiro consegui dar a ordem ao comandante Camilo Cienfuegos de que avançasse com 500 homens sobre a capital e atacasse Columbia (APLAUSOS); porque tinha o comandante Ernesto Guevara em Las Villas, consegui dizer-lhe que avançasse sobre a capital e se apoderasse de La Cabaña (APLAUSOS).
Todos os regimentos, todas as fortalezas militares de importância, ficaram em poder do Exército Rebelde, e essas ninguém as deu para nós, não é que ninguém dissesse: “Vai ali, vai para lá, vai para ali”; foi nosso esforço e nosso sacrifício, nossa experiência e nossa organização o que conduziu a esses resultados (APLAUSOS).
Quer dizer que os outros não lutaram? Não. Quer dizer que os outros não tenham méritos? Não. Porque todos lutamos, porque todo o povo lutou. Em Havana não existia nenhuma Sierra, mas existem centenas de mortos, de companheiros que foram assassinados por cumprir com seus deveres revolucionários. Em Havana não existia nenhuma Sierra e, não obstante, a greve geral foi um fator decisivo para que a vitória da Revolução fosse completa (APLAUSOS).
Ao dizer isto, a única coisa que faço é colocar as coisas em seu sítio, o papel do Movimento 26 de Julho nesta luta, como guiou o povo, naqueles momentos em que aqui se falava de eleições e de eleitoralismo. Uma vez tive que escrever um artigo desde México, que se titulava: “Frente a todos”, porque realmente estávamos contra todas as opiniões, defendendo nossa tese revolucionária, a estratégia desta Revolução, que foi traçada pelo movimento 26 de Julho, e a culminação desta Revolução, que foi a derrota esmagadora da tirania, em que suas fortalezas mais importantes ficaram nas mãos das forças do Exército Rebelde, organizado pelo Movimento 26 de Julho.
O Movimento 26 de Julho não só traçou as pautas na guerra, mas também ensinou como devia ser tratado o inimigo na guerra. Se calhar esta tem sido no mundo a primeira revolução onde jamais foi assassinado um prisioneiro de guerra (APLAUSOS PROLONGADOS); onde jamais se abandonou um ferido, onde jamais foi torturado um homem (APLAUSOS); porque esta pauta foi traçada pelo Exército Rebelde. E mais uma coisa: esta é a única revolução no mundo onde não se deu um general (APLAUSOS), nem sequer um coronel, porque a patente que eu me coloquei ou me colocaram meus companheiros, foi a de comandante, e não a cambiei, apesar de que ganhamos muitas batalhas e ganhamos uma guerra; continuo sendo comandante, e não quero outra patente (APLAUSOS).
E o efeito moral, o fato de que os que iniciamos esta guerra determinássemos uma graduação determinada na hierarquia militar, fez com que ninguém se atrevesse a colocar aqui mais graus do que os de comandante —embora tenha comandantes demais, a julgar pelo que parece.
Acho que o povo concorde com que eu fale claro, porque ter lutado como lutei pelos direitos de cada cidadão, nem que seja me outorga o direito de dizer a verdade em voz alta (APLAUSOS). E, também, porque estando de por meio os interesses da pátria, não transijo absolutamente com a menor contemporização com os riscos que possam sobrevir à Revolução Cubana (APLAUSOS).
Acaso têm todos a mesma autoridade moral para falar? Eu digo que quem tiver mais méritos tem mais autoridade para falar do que aquele que tiver menos méritos. Acho que para que os homens se igualem em prerrogativas morais, têm que igualar-se primeiro em méritos. Acho que a Revolução concluiu como devia, quando o comandante Camilo Cienfuegos —veterano de dois anos e um mês de luta— (APLAUSOS), é o chefe de Columbia; quando o comandante Efigenio Ameijeiras, que perdeu três irmãos nesta guerra e é veterano do “Granma” e comandante pelas batalhas em que combateu (APLAUSOS), é chefe da polícia da República, e quando o comandante Ernesto Guevara —verdadeiro herói, expedicionário do “Granma” e veterano de dois anos e um mês de luta nas montanhas mais altas e mais ásperas de Cuba—, é o chefe de La Cabaña (APLAUSOS); e quando à frente de cada regimento nas diferentes províncias colocamos os homens que mais se sacrificaram e mais combateram nesta Revolução. E se isso é assim, ninguém tem direito a ficar zangado.
Antes do mais, renda-se culto ao mérito, porque aquele que não rende culto ao mérito é apenas um ambicioso (APLAUSOS); aquele que sem ter os méritos de outros quer em troca ter as prerrogativas de outros.
Agora a República, ou a Revolução, entra em uma nova fase. Seria justo que a ambição ou os personalismos viessem aqui a colocar em perigo o destino da Revolução? (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”) O quê lhe interessa ao povo, porque o povo é quem tem que dizer aqui a última palavra? (EXCLAMAÇÕES DE: “Liberdade!”, “Liberdade!”) Interessa-lhe, em primeiro lugar, as liberdades, os direitos que lhe foram arrebatados, e a paz. E os tem, porque nestes instantes tem todas as liberdades, todos os direitos que lhe arrebatou a tirania, e tem a paz (APLAUSOS).
O quê lhe interessa ao povo? Um governo honrado. Não é um governo honrado o que lhe interessa ao povo? (EXCLAMAÇÕES DE: “Sim!”) Aí está: um magistrado honorável de Presidente da República (APLAUSOS). O quê lhe interessa, que homens jovens e limpos sejam os ministros do Governo Revolucionário? (EXCLAMAÇÕES DE: “Sim!”) Aí está: analisem um por um os ministros do Governo Revolucionário, e me digam se aí tem um ladrão, ou um criminoso, ou um sem-vergonha (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”).
São muitos os homens que podem ser ministros em Cuba por sua honradez e sua capacidade, mas nem todos podem ser ministros, porque os ministros podem ser 14, 15 ou 16. E aqui não é do interesse do povo que “Don Fulano” ou “Don Beltrano” seja, mas que aquele que seja, seja um homem jovem e um homem honrado (APLAUSOS). E aqui o que importa é que os que foram designados reúnam essas qualidades, não que não esteja Fulano ou não esteja Beltrano, porque os beltranos e os fulanos não importam nada neste momento à Revolução e à República (APLAUSOS).
Pode alguém, pelo fato de não ser ministro, tentar ensangüentar este país? (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”) Pode algum grupo, pelo fato de que não lhe deram três ou quatro ministérios, ensangüentar este país, e perturbar a paz? (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”) Se a equipe governante que neste momento tem o povo de Cuba não presta, tempo terá o povo de deitá-la fora, mas não de deitá-la fora nas urnas, senão de jogá-la fora das eleições (APLAUSOS). Este não é o caso de que se não resultasse idônea a equipe governante, fosse alguém aqui fazer uma revolução ou um golpe de Estado para tirá-la, quando toda a gente sabe que haverão umas eleições, e se não presta, o povo se encarregará de dizer a última palavra livremente; não fazer aquilo que Batista fez, que a
80 dias de umas eleições, porque dizia que estava combatendo tal governo, e fazia uma série de imputações contra esse governo, dizer que ele tinha de tirá-lo e que isso era patriota, porque aqui se acabaram para sempre os golpes de Estado e os atentados contra a Constituição e o Direito (APLAUSOS).
É necessário falar assim, para que não surja a demagogia e o confucionismo e o divisionismo e que o primeiro que assome as orelhas da ambição, o povo o conheça (APLAUSOS). E, por meu lado, digo-lhes que como desejo é comandar o povo, porque é a melhor tropa e que prefiro o povo do que a todas as colunas armadas juntas, digo-lhes que a primeira coisa que farei sempre, quando veja a Revolução em perigo, será chamar ao povo (APLAUSOS). Porque falando para o povo podemos poupar sangue; porque aqui, antes de atirar um tiro, é preciso chamar mil vezes ao povo e falar-lhe ao povo para que o povo, sem tiros, resolva os problemas. Eu, que tenho fé no povo, e já o demonstrei, e sei o que o povo pode fazer, e acho que já o demonstrei, digo-lhes que se o povo quiser aqui não volta a soar nunca mais um tiro neste país (APLAUSOS). Porque a opinião pública tem uma força extraordinária e tem uma influência extraordinária, sobretudo quando não há ditadura. Na época de ditadura a opinião pública não é nada, mas na época da liberdade a opinião pública representa tudo, e os fuzis têm que se dobrar e ajoelhar perante a opinião pública (APLAUSOS). Vou bem, Camilo? (EXCLAMAÇÕES DE: “Viva Camilo!”).
Falo para o povo desta forma porque sempre gostei de prever, e acho que falando previsoramente para o povo a Revolução pode evitar os únicos perigos que lhe restam por diante; e dir-lhes-ei que não são tão grandes, mas gostaria era que para que a Revolução se consolidasse, não fosse necessário derramar um só pingo de sangue cubano (APLAUSOS).
Minha grande preocupação é que no exterior, onde esta Revolução é a admiração do mundo todo, não tenha que falar-se dentro de três semanas, ou quatro semanas, ou um mês, ou uma semana, que aqui se voltou a derramar sangue cubano para consolidar esta Revolução, porque então esta Revolução não seria exemplo (APLAUSOS).
Eu não teria falado assim quando éramos um grupo de 12 homens, porque quando éramos um grupo de 12 homens tudo o que tínhamos por diante era lutar, lutar e lutar, e havia mérito em combater nessas circunstâncias; mas hoje, que temos os aviões, os tanques, os canhões e a imensa maioria dos homens armados, a marinha de guerra, numerosas companhias do Exército e um poder enorme na ordem militar (EXCLAMAÇÕES DE: “E o povo!”, “E o povo!”) Povo... Vou à ideia que lhes queria dizer: hoje que temos tudo isso, preocupa-me muito ver combater, porque assim não há mérito em combater; preferiria ir-me para a Sierra Maestra de novo, com 12 homens, a lutar contra todos os tanques, antes de vir com todos os tanques a atirar contra alguém aqui (APLAUSOS).
E a quem peço que nos ajude muito, a quem peço de coração que me ajude, é ao povo (APLAUSOS), à opinião pública, para desarmar aos ambiciosos, para condenar de antemão os que desde agora estão começando a assomar as orelhas (APLAUSOS).
Não vou me estender hoje em ataques de tipo pessoal ou específico, porque é muito recente e rápido demais para entrar em polémicas públicas —embora que quando seja necessário fazê-lo, não me importo com isso, porque tenho a frente alta e estou disposto a discutir com a verdade quando for preciso—, porque existe uma alegria muito grande no povo, e porque na massa dos combatentes, não vou dizer que em todas suas lideranças, embora sim na maior parte dos líderes, porque na maior parte dos líderes —e aí está Carlos Prío Socarrás como exemplo, que veio a Cuba em uma atitude de ajudar a Revolução incondicionalmente, como ele fala, e não a aspirar absolutamente a nada— (APLAUSOS); não tem protestado do fato, não tem protestado absolutamente nada, não tem mostrado a menor queija, nem a menor inconformidade pelo gabinete, sabe que tem um gabinete de homens honrados e de homens jovens, que bem merece que se lhe outorgue um voto de confiança para trabalhar.
E eis os dirigentes de outras organizações, na mesma disposição. E também tem uma coisa: as massas dos combatentes, os homens que lutaram e que não se guiam mais do que por ideais, os homens que combateram, de todas as organizações, esses estão em uma postura bem patriótica e são de sentimentos bem revolucionários e bem nobres, visto que sempre pensarão como pensa o povo, porque tenho a certeza de que aquele que tente a loucura de provocar uma guerra civil, vai ter a condenação do povo todo (APLAUSOS), e o abandono dos combatentes de fileira, que o não seguiriam. E necessário ficar verdadeiramente louco para desafiar, não só à força nas condições em que a temos hoje, senão à razão, ao direito da pátria e ao povo inteiro de Cuba (APLAUSOS).
E digo tudo isso porque quero fazer-lhe uma pergunta ao povo; quero fazer-lhe uma pergunta ao povo que me interessa muito, e lhe interessa muito ao povo, que a responda: Para que estar armazenando armas clandestinamente nestes momentos? Para que estar escondendo armas em diferentes lugares da capital? Para que estar contrabandeando armas nestes momentos? Para que? E eu lhes digo que tem elementos de determinada organização revolucionária que estão escondendo armas (EXCLAMAÇÕES DE: “A por elas”!), que estão armazenando armas, e que estão passando armas. Todas as armas que capturou o Exército Rebelde estão nos quartéis, e daí não tem saído arma alguma, ninguém as levou para sua casa, nem as escondeu; estão nos quartéis, sob sete chaves; tanto em Pinar do Río, quanto em La Cabaña, em Colúmbia, em Matanzas, em Santa Clara, em Camagüey e em Oriente; não se carregaram caminhões com armas para escondê-las em parte alguma, porque essas armas devem ficar nos quartéis.
Vou fazer-lhes uma pergunta, porque falando claro e analisando os problemas é como se resolvem, e estou disposto a fazer o que estiver ao alcance da minha mão por resolvê-los como se devem resolver: com a razão e a inteligência, e com a influência da opinião pública, que é a que manda, não com a força; porque se fosse acreditar na força, que tinha que resolver-se com a força, não teria que falar com o povo, nem colocar-lhe este problema, mas ir procurar essas armas (APLAUSOS).
E o que aqui devemos procurar é que os combatentes revolucionários, os homens idealistas, que podem ser enganados com essa manobra, abandonem os falsos liderzinhos que estão com essa postura e venham colocar-se junto do povo, que é ao que têm que servir antes que nada.
Vou fazer-lhes uma pergunta: Armas para que?, Para lutar contra quem?, Contra o Governo Revolucionário, que tem o apoio de todo o povo? (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”) É por acaso a mesma coisa o magistrado Urrutia governando a República do que Batista governando a República? (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”) Armas para que?, Tem alguma ditadura aqui? (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”) Vão lutar contra um governo livre, que respeita os direitos do povo? (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”), agora que não tem censura, e que a imprensa é inteiramente livre, mais livre do que nunca antes, e além disso tem a segurança de que o seguirá sendo para sempre, sem que volte a haver censura aqui? (APLAUSOS), hoje, que todo o povo pode se reunir livremente? Hoje, que não existem torturas, nem presos políticos, nem assassinatos, nem terror? Hoje que não existe mais do que alegria, que todos os líderes traidores foram demitidos nos sindicatos, e que logo vão ser convocadas eleições em todos os sindicatos? (APLAUSOS). Quando todos os direitos do cidadão foram restabelecidos, quando serão convocadas umas eleições no prazo de tempo mais breve possível, armas para que? Esconder armas, para que? Para chantagear o Presidente da República?, Para ameaçar aqui com quebrantar a paz? Para criar organizações de gângsteres? É que vamos regressar ao gangsterismo? É que vamos voltar ao tiroteio diário pelas ruas da capital? Armas, para que?
Pois, digo-lhes que há dois dias elementos de determinada organização foram a um quartel, que era o quartel San Antonio, quartel que estava sob a jurisdição do comandante Camilo Cienfuegos e sob a jurisdição minha, como Comandante-em-Chefe de todas as forças, e as armas que ali estavam recolhidas, levaram-nas; levaram-se 500 armas e 6 metralhadoras e 80 000 balas (EXCLAMAÇÕES DE: “A por elas!”).
E honradamente lhes digo que não se pôde ter cometido provocação pior. Por que fazer-lhes isso a homens que souberam lutar aqui pelo país durante dois anos, a homens que hoje estão responsabilizados com a paz do país e querem fazer as coisas bem feitas, é uma sacanagem e é uma provocação injustificável.
E o que nós fizemos foi não procurar esses fuzis; porque, precisamente —o que lhes dizia antes— o que queremos é falar com o povo, utilizar a influência da opinião pública, para que os liderzinhos que andam detrás de essas manobras criminosas, fiquem sem tropa. Para que os combatentes idealistas —e os homens que combateram em cada organização aqui são verdadeiros idealistas—, saibam isso, para que exijam responsabilidade por esses fatos.
E é por isso que não nos deixamos nem provocar, deixamo-los tão tranquilos por esse roubo de armas, roubo injustificado, porque aqui não existe ditadura, e ninguém tema que nós nos convertamos em ditadores, e vou lhes dizer por que, vou dizer-lhes: converte-se em ditador aquele que não tem o povo e tem que recorrer à força, porque não tem votos no dia que tenha que concorrer (APLAUSOS). Não nos podemos tornar ditadores os homens que vimos tanto carinho no povo, um carinho unânime, total e absoluto no povo; além dos nossos princípios, porque jamais incorreremos na grosseria de ostentar pela força uma posição, porque repugnamos isso, que por algo fomos os porta-estandartes desta luta contra a asquerosa e repugnante tirania (APLAUSOS).
Jamais precisaremos da força, porque temos o povo, e também porque no dia em que o povo aparecer com cara de poucos amigos, só aparecer com essa cara, vamos embora (APLAUSOS). Porque entendemos isto corno um dever, não como um prazer; entendemos isto como um trabalho, que por algo nem dormimos, nem descansamos, nem comemos, recorrendo a ilha e trabalhando honradamente por servir o nosso país; que por algo não temos nada, e por algo seremos sempre homens que não teremos nada (APLAUSOS E EXCLAMAÇÕES DE: “Tens o povo!”). E jamais nos verá o povo com uma imoralidade, nem outorgando um privilégio a alguém, nem tolerando uma injustiça, nem roubando, nem enriquecendo-nos, nem coisas parecidas; porque o poder o concebemos como um sacrifício, e acreditem que se não for assim, depois de todas as amostras de carinho que recebi do povo, de toda essa manifestação apoteótica de hoje, se não fosse esse um dever que a gente tem que cumprir, o melhor era ir-se, retirar-se, ou morrer; porque depois de tanto carinho e de tanta fé, dá medo não poder cumprir como a gente tem que cumprir com este povo! (APLAUSOS PROLONGADOS.)
E se não fosse por esse dever, se não fosse por esse dever —digo-o— o que eu faria seria despedir-me do povo, e ficar sempre com o carinho que tenho hoje, e que me chamem com as mesmas frases de alento com que me chamaram hoje.
Não obstante, sei que o poder é uma tarefa árdua, complicada, que nossas missões e nossas tarefas como este problema que se nos apresenta, realmente é um problema difícil e está cheio de amarguras, e a gente o defronta porque o único que a gente não vai dizer para o povo nesta hora é: “Vou-me embora.” (EXCLAMAÇÕES DE: “Viva o pai da pátria!” SEGUIDO DE UMA OVAÇÃO CERRADA).
Também, por outra razão não nos interessa a força: porque no dia que alguém se alçasse aqui com a força, e me atreveria chamar o pior inimigo e ao que menos simpatizasse comigo, se estivesse disposto a cumprir com o povo, e lhe diria: “Veja, tome todas essas forças, todas essas tropas e todas essas armas”, e ficaria tão tranquilo, porque sei que no dia em que se alçasse com a força, eu ia de novo para a Sierra Maestra e íamos ver quanto durava essa ditadura aí no poder (APLAUSOS).
Acho que são razões mais do que suficientes para que toda a gente acredite que a nós não nos interessa controlar nenhum poder pela força.
O Presidente da República me encomendou a mais espinhosa de todas as tarefas, a tarefa de reorganizar os institutos armados da República e me assignou o cargo de Comandante-em-Chefe de todas as forças de ar, mar e terra da nação (APLAUSOS E EXCLAMAÇÕES DE: “Você merece!”). Não, não mereço, porque isso é um sacrifício para mim, e afinal para mim não é nem motivo de orgulho, nem motivo de vaidade, mas sim um sacrifício. Mas desejo que o povo me diga se acredita que devo assumir essa função (APLAUSOS PROLONGADOS E EXCLAMAÇÕES DE: “Sim!”).
Julgo que se fizemos um Exército com 12 homens, e esses 12 homens hoje estão à frente dos mandos militares, acho que se lhe ensinamos a nosso Exército que um prisioneiro jamais era assassinado, que um ferido jamais era abandonado, que um preso jamais era espancado, somos os homens que podemos ensinar a todos os institutos armados da República as mesmas coisas que ensinamos a esse Exército (APLAUSOS). Para termos uns institutos armados onde nem um só de seus homens volte jamais a espancar um prisioneiro, nem tortura-lo, nem matá-lo (APLAUSOS). E porque, além disso, podemos servir de ponte entre os revolucionários e os militares decentes, os que não roubaram, nem assassinaram, porque esses militares, os que não roubaram e os que não assassinaram, terão direito a continuar pertencendo às forças armadas (APLAUSOS); como também lhes digo que aquele que tenha assassinado, não o salva ninguém do pelotão de fuzilamento (APLAUSOS PROLONGADOS).
Além disso, todos os combatentes revolucionários que desejem pertencer às forças regulares da República têm direito, pertençam à organização que pertencerem, com suas patentes... As portas estão abertas para todos os combatentes revolucionários que desejem lutar e que desejem fazer uma tarefa em prol do país. E se isso for assim, se existem liberdades, se existe um governo de homens jovens e honrados, se o país está contente, se tem confiança nesse governo e nos homens que estão comandando as forças armadas, se haverão umas eleições, se as portas estão abertas para todos, por que armazenar armas?
Quero que me digam se o povo o que quer é que haja paz, ou o que quer é que em todas as esquinas tenha um tipo armado com um fuzil; quero que me digam se o povo está de acordo ou considera que é correto que qualquer um deseje aqui ter um Exército particular, que não obedeça mais do que a seu chefinho (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”); se assim pode ter ordem e paz na República (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”).
(ALGUÉM EXCLAMA: “Depuração das forças armadas!”) Superdepuração, não depuração (APLAUSOS).
(EXCLAMAÇÕES DE: “Fala de Raúl!”) Raúl está em El Moncada, que é onde tem que estar agora.
Esses são os problemas que hoje quis colocar diante do povo. Os fuzis têm que sair das ruas o antes possível; desaparecer os fuzis das ruas (APLAUSOS). Porque já não existe inimigo em frente, porque já não há que lutar contra ninguém; e se algum dia é preciso lutar contra um inimigo estranho ou contra um movimento que esteja contra a Revolução, não lutarão quatro gatos pingados, lutará o povo todo (APLAUSOS PROLONGADOS).
As armas têm que estar é nos quartéis; aqui ninguém tem direito a ter exércitos particulares (APLAUSOS).
Esses indivíduos que andam com essas manobras suspeitosas, talvez encontraram um pretexto para fazer isso pelo fato de eu ter sido nomeado, e meus companheiros, para um trabalho que foi esse que nos incumbiu o Presidente, e falaram de que existe um exército político. Exército político, quando como lhes disse a vocês, temos todo o povo, que esse é na verdade nosso exército político?
Hoje quero advertir ao povo, e quero advertir às mães cubanas, que sempre farei tudo que estiver a nosso alcance para resolver todos os problemas sem derramar um pingo de sangue (APLAUSOS). Quero dizer para as mães cubanas que jamais, por nossa causa, aqui voltará a disparar-se um só tiro; e quero pedir-lhe ao povo, como quero pedir à imprensa, como quero pedir a todos os homens saudáveis e responsáveis do país, que nos ajudem a resolver esses problemas com o apoio da opinião pública, não com transações, porque quando a gente se arma e ameaça para que lhe deem alguma coisa, isso é uma imoralidade, e isso não o aceitarei jamais (APLAUSOS). Porque depois que determinados indivíduos começaram a armazenar armas, digo aqui que não aceitarei a menor concessão, porque isso seria rebaixar a moral da Revolução (APLAUSOS). O que temos de fazer é que aquele que não pertencer às forças regulares da República —onde tem direito a pertencer todo combatente revolucionário—, que devolva as armas aos quartéis, porque aqui as armas sobram quando já não existe tirania e está demonstrado que as armas só são válidas quando se tem a razão, e se tem ao povo, caso contrário, não servem mais do que para assassinar e para cometer desmandos (APLAUSOS).
Além disso, desejo dizer ao povo que pode ter a certeza de que as leis do país serão respeitadas e que aqui não haverá gangsterismo, nem gatunagem, nem bandoleirismo; simplesmente porque não haverá tolerância. As armas da República estão hoje nas mãos dos revolucionários. Essas armas, tenho a esperança de que não será preciso usá-las jamais, mas no dia em que o povo o ordene para garantir sua paz, sua tranquilidade e seus direitos, quando o povo o peça, quando o povo assim o deseje, quando seja uma necessidade, então essas armas cumprirão com o que têm que cumprir, e cumprirão com seu dever, simplesmente (APLAUSOS).
Ninguém pense que vamos cair em provocações, porque estamos serenos demais para cair em provocações, porque temos umas responsabilidades muito grandes para precipitar-nos nunca em tomar medidas, nem em fazer alardes nem coisa que se pareça, e porque estou muito consciente de que aqui temos que esgotar sempre —e esgotarei sempre— todos os meios persuasivos, e todos os meios razoáveis, e todos os meios humanos para evitar que se derrame uma só gota de sangue mais em Cuba. Portanto, em questão de provocações, ninguém tema que caia; porque quando a paciência se nos tenha acabado a todos nós, procuraremos mais paciência, e quando a paciência se nos volte a acabar, voltaremos a procurar mais paciência; essa será nossa norma (APLAUSOS). E essa tem que ser a palavra de ordem dos homens que têm as armas na mão e dos que têm o poder na mão: não cansar-se nunca de suportar, não cansar-se nunca de resignar-se a todas as amarguras e a todas as provocações, salvo quando já fiquem em perigo os interesses mais sagrados do povo. Mas isso, quando na verdade fique demonstrado, isso quando já seja uma demanda da nação toda, da imprensa, das instituições cívicas, dos trabalhadores, e de todo o povo; quando o peçam, e só quando o peçam. E aquilo que sempre farei, em cada uma dessas circunstâncias, é chegar e falar para o povo: “Vejam, aconteceu isto.”
Desta vez omiti nomes, porque não quero envenenar a atmosfera, porque não desejo aumentar a tensão; o que simplesmente quero é prevenir o povo desses perigos, porque seria muito triste que esta Revolução que tanto sacrifício custou —não quer dizer que se vai frustrar, porque esta Revolução não se frustra de maneira nenhuma, porque já se sabe que com o povo e com tudo o que existe a favor do povo, não existe o menor perigo—, porém seria muito triste que depois do exemplo que se deu para a América, aqui se volte a disparar um tiro.
É verdade que em quase todas as revoluções, depois da luta, vem outra, e depois vem outra —e observem a história de todas as revoluções, no México e em todas as partes. Não obstante, parecia que esta ia ser uma exceção, como foi uma exceção em tudo o resto; tem sido extraordinária em tudo o resto, e gostaríamos que também fosse extraordinária no fato de que não se disparasse mais um tiro aqui; e acho que se poderá conseguir, acho que a Revolução triunfará sem que seja disparado mais um tiro, sabem por quê? Porque resulta realmente admirável o grau de consciência que se desenvolveu no país, o civismo deste povo, a disciplina deste povo, o espírito deste povo; realmente, sinto-me orgulhoso de todo o povo, tenho uma fé extraordinária no povo de Cuba (APLAUSOS). Vale a pena sacrificar-se por nosso povo.
Hoje tive o prazer de dar um exemplo diante de toda a imprensa: estava a multidão diante do Palácio Presidencial, e me falavam que se precisavam 1 000 homens para sair dali; então, saí e lhe pedi ao povo que fizesse duas fileiras, que não era necessário para isso que viesse alguém, que eu sozinho iria ali, e em poucos minutos o povo fez duas fileiras, e passamos por ali, sem problemas de nenhum tipo. Esse é o povo de Cuba, e essa prova se deu diante de todos os jornalistas (APLAUSOS).
Desde agora, já se acabaram os agasalhos e as ovações; desde agora, para nós: a trabalhar, amanhã será um dia igual do que outro qualquer, e todos os demais igual, e nos acostumaremos à liberdade. Agora estamos contentes porque havia muito tempo que não éramos livres, mas dentro de uma semana nos preocuparão outras coisas: se temos dinheiro para pagar o aluguel, se a energia elétrica, se a comida, esses são na verdade os problemas que tem que resolver o Governo Revolucionário, o milhão de problemas que tem o povo de Cuba, e que para isso tem um conselho de ministros de homens jovens que eu sei que estão possuídos de um entusiasmo, que tenho a certeza de que vão mudar a República, tenho a certeza (APLAUSOS PROLONGADOS). Aliás, porque tem um Presidente que está seguro no poder, que o não ameaça perigo algum, porque os perigos de que eu falava, não eram os perigos de que o regime corresse algum perigo de ser derrubado, estão a mil léguas de distância disso; eu falava do perigo de que se derramasse uma só gota de sangue mais. Mas o Presidente da República está consolidado, reconhecido já por todas as nações —nem todas, mas rapidamente o estão reconhecendo todas as nações do mundo—, e conta com o apoio do povo e com nosso apoio, com o apoio das forças revolucionárias; e apoio verdadeiro, e apoio sem condições, apoio sem pedir nem reclamar nada, porque aqui lutamos pelos foros do poder civil, e vamos demonstrá-lo, que para nós os princípios estão por em cima de toda outra consideração e que não lutamos por ambições.
Acho que demonstramos suficientemente ter lutado sem ambições. Julgo que nenhum cubano albergue sobre isso a menor dúvida.
Portanto, agora todos temos que trabalhar muito. Eu, por minha parte, estou disposto a fazer tudo que possa ser feito em benefício do país, como sei que estão todos meus companheiros, como sei que está o Presidente da República e como sei que estão todos os ministros, que não vão descansar. E eu lhes garanto que se hoje sai alguém de Cuba e regressa dentro de dois anos, não vai conhecer esta República.
Vejo um extraordinário espírito de colaboração em todo o povo, vejo a imprensa, os jornalistas, todos os setores do país, desejosos de ajudar, e isso é o que faz falta. E resulta que o povo de Cuba aprendeu muito, e nestes sete anos aprendeu por setenta. Falou-se que o golpe de Estado fora um retraso de vinte e cinco anos; se foi assim —y aquilo era na verdade um retraso de vinte e cinco anos—, agora demos um passo de cinquenta. A República está desconhecida: nada de politicagem, nada de vício, nada de jogo, nada de roubo. Começamos há uns dias, e já está quase desconhecida a República.
Agora nos resta um trabalho grande por fazer. Todos os problemas relacionados com as forças armadas, são problemas que estarão relacionados com nossas futuras actividades, mas, além disso, sempre faremos tudo o que estiver ao alcance das nossas mãos por todo o povo, porque não sou militar profissional, nem de carreira, nem muito menos; estarei aqui o tempo mínimo, e quando termine aqui vou fazer outras coisas porque, sinceramente, não vou ser preciso aqui nisto (EXCLAMAÇÕES). Refiro-me a que não vou fazer falta dentro das atividades de tipo militar, e que tenho outras ilusões, de outras classes. E isso mesmo, entre outras coisas: quando quiser atirar tiros, combater, cimentar uma inquietação, há muito campo aqui onde fazer coisas (APLAUSOS).
(EXCLAMAÇÕES DE: “É preciso fomentar fontes de trabalho!”) Se não resolvemos todos esses problemas, esta não seria uma revolução, companheiros, porque acho que o problema fundamental da República nestes momentos, e o que dentro de pouco estará necessitando o povo, quando passe a alegria do triunfo, é trabalho, a maneira de se ganhar a vida decorosamente (APLAUSOS).
Mas não só é isso, companheiros; existem mil coisas mais das quais tenho falado nesses dias todos, que imagino que vocês, quem mais e quem menos, terá ouvido pela rádio e pela imprensa, e demais, porque não vamos esgotar todos os temas em uma só noite.
Vamos ficar pensando nesses problemas dos quais lhes falei hoje, e vamos concluir a longa jornada —que embora não esteja cansado, sei que vocês têm que regressar às casas e estão longe. (EXCLAMAÇÕES DE: “Não importa!”, “Continua!”).
Eu tinha o compromisso de ir ao programa “Perante a Imprensa” esta noite pelas 22h30 ou na hora que fosse, e já são 01h30 (EXCLAMAÇÕES DE: “Amanhã!”) Bom, deixá-lo-ei para amanhã. Vocês terão oportunidade de escutar pela imprensa, pela rádio e por todos os meios possíveis, aos ministros.
Todos meus amigos de tanto tempo, de donde for, têm vindo: da escola, do bairro. Quase estou por dizer-lhes que já conheço a todos os cubanos...
E diziam que terão oportunidade de ouvir os ministros, cada um dos quais tem seus planos e informarão de seu programa; e cada um dos homens que está no conselho de ministros está grandemente compenetrado com todos os demais elementos revolucionários.
O Presidente da República, com o direito que lhe corresponde —porque foi eleito sem condições—, elegeu uma maioria de ministros do Movimento 26 de Julho. Tinha seu direito, e ao pedir nossa colaboração, teve-a plenamente, e nos responsabilizamos com esse Governo Revolucionário.
O que eu disse em outra parte: ninguém acredite que as coisas vão se resolver da noite para o dia. A guerra não foi ganha em um só dia, nem em dois, nem em três, e foi preciso lutar duro; a Revolução também não será ganha em um dia, nem será feito tudo o que vai ser feito em um dia. Além disso, falei para o povo em outros comícios que não vá acreditar que esses ministros são uns sábios —começo por dizer-lhes que nenhum deles foi ministro antes, ou quase nenhum. Assim que ninguém sabe ser ministro, isso é uma coisa nova para eles; o que estão é cheios de boas intenções. E falo nisso, igual que falo dos comandantes rebeldes: vejam, o comandante Camilo Cienfuegos não sabia de guerra, nem de manejar uma arma, absolutamente nada. Che não sabia nada; quando conheci Che no México se dedicava a dissecar coelhos e fazer investigações médicas. Raúl também não sabia nada; Efigenio Ameijeiras também não sabia nada; e ao começo não sabiam nada de guerra, e ao final lhes podia dizer, como lhes disse: “Comandante, avance sobre Colúmbia, e tome-a”; “Comandante, avance sobre La Cabaña, e tome-a”; “Avance sobre Santiago, e tome-o”, e eu sabia que o tomavam... (APLAUSOS PROLONGADOS). Por quê? Porque tinham aprendido.
É possível que os ministros agora não tenham grandes acertos, mas tenho a certeza de que dentro de uns meses vão saber resolver todos os problemas que lhes coloque o povo, porque têm o mais importante: a vontade de acertar e de ajudar o povo; e, sobretudo, tenho a certeza de que nem um só, jamais, cometerá uma das faltas clássicas dos ministros. Vocês sabem qual é, não é? (EXCLAMAÇÕES DE: “Roubar!”, “Roubar!”) Ah!, Como sabem disso?
Pois, sobretudo, isso: a moral, a honradez desses companheiros. Não serão sábios, porque aqui ninguém é sábio, mas lhes garanto que tem honrados demais, que é o que se está pedindo. Não é o que o povo tem estado solicitando sempre, um governo honrado? (EXCLAMAÇÕES DE: “Sim!”). Então, vamos dar-lhes um voto de confiança, vamos dá-lo, vamos esperar (EXCLAMAÇÕES). Sim, são do movimento “26” a maioria, mas se não prestam, depois virão os de 27, ou os de 28. Já sabemos que existe muita gente capacitada em Cuba, mas todos não podem ser ministros. Ou acaso o “26 de Julho” não tem direito a fazer um ensaio de governar a República? (EXCLAMAÇÕES DE: “Sim!”).
Portanto, isso é tudo por hoje. Realmente, nada mais me falta uma coisa... Se soubessem, que quando me reúno com o povo se me vai o sono, a fome; tudo desaparece. A vocês também lhes foge o sono, não é? (EXCLAMAÇÕES DE: “Sim”!)
O importante, ou o que me falta por dizer-lhes, é que eu acho que os comícios do povo de Havana hoje, as concentrações multitudinárias de hoje, essa multidão de quilômetros de comprimento —porque isto tem sido assombroso, vocês viram; sairá nos filmes, nas fotografias—, acho que, sinceramente, foi um exagero do povo, porque é muito mais do que nós merecemos (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”).
Também sei que nunca mais em nossas vidas voltaremos a presenciar uma multidão semelhante, exceto em outra ocasião —em que tenho a certeza de que voltarão a reunir-se as multidões—, e será no dia em que muramos, porque nós, quando nos tenham que levar para a cova, nesse dia, reunir-se-á tanta gente como hoje, porque nós jamais defraudaremos nosso povo!
(OVAÇÃO)
VERSÃO TAQUIGRÁFICA DOS GABINETES DO PRIMEIRO-MINISTRO