Discorsi

Discurso do Presidente do Conselho de Estado da República de Cuba, Fidel Castro Ruz, no acto pelo 50° Aniversário da fundação da República Popular da China, realizado na Sala Universal das FAR, no dia 29 de setembro de 1999, "Ano do 40° Aniversário do triunfo da Revolução"

Data: 

29/09/1999

Como vocês vêem, já estavam fechando as cortinas; (Risos) porém, olhei o relógio e percebi que nos sobrava um pouquinho de tempo; por isso pensei que valia a pena utilizar esses minutos para acrescentar algumas breves reflexões ao que se havia dito aqui.

Dias atrás, estando envolvidos em grande número de atividades, com certa freqüência me surgia uma preocupação, pensando que se completariam 50 anos do triunfo da revolução na China, não só da revolução, mas também da independência da China e que esta era uma data realmente de grande significação histórica.

Tais frases se usam com certa freqüência, mas neste caso estamos diante de um fato real, uma data de real importância histórica, e me perguntava: Como vamos comemorar, que relevância lhe vamos dar; por isso perguntava pelo programa que fariam. Perguntei ao Embaixador e primeiro me disse que haveria uma recepção na Embaixada na noite do dia 30 e que me convidava calorosamente. Respondi: Embaixador, o dia 30 não é o aniversário do triunfo da Revolução Chinesa! e ele me disse: Sim, porque a essa hora do dia 30 já será 1° de outubro na China. E, realmente, estavam organizando a recepção não para o dia 2, o que teria sido o resultado de organizá-la para o dia primeiro, como acontece tradicionalmente; fazendo-a no dia 30, à noite, coincidiria exatamente com a manhã do dia da fundação da República Popular da China. Inclusive, sei que estão preparadas alguns telões para que os convidados possam presenciar o desfile e a comemoração na praça de Tiananmen.

A mim me alegrou muito esse minuto em que o Embaixador lembrava que Cuba foi o primeiro país da América Latina a reconhecer a República Popular da China e em estabelecer relações com ela, porque havia um bloqueio muito grande, um esforço de isolamento total, mais a obediência total aos Estados Unidos em nosso hemisfério, onde inclusive muitos países, como nossos grandes irmãos caribenhos de origem anglófono, ainda não eram independentes. A independência dessas ilhas incrementou a capacidade e o espírito de independência neste hemisfério; porém ninguém aqui na América Latina tinha relações com a República Popular da China, e era assim em muitos lugares do mundo.

Como também nós, nos tornamos independentes no dia 1° de janeiro de 1959, não passou muito tempo antes de que estabelecêssemos relações com a República Popular China.

Porém, há algo mais que ele recordava, e é que quando triunfa a Revolução Cubana, a China, no Conselho de Segurança e nas Nações Unidas, estava representada por Taiwan. Nesse momento, só existia um país que não era aliado dos Estados Unidos, no grupo de membros permanentes do Conselho de Segurança, que era a URSS. E, como uma prova das imposições do imperialismo, havia o fato de que desacataram, ignoraram totalmente que o país mais populoso do mundo; o país mais antigo do mundo, podemos dizer, entre os países modernos, a civilização mais antiga do mundo, não estava representado nessa Assembléia Geral, nem estava representado no Conselho de Segurança, ao que tinha direito de acordo com todos os convênios que se fizeram na Segunda Guerra Mundial.

Mantiveram ali em Taiwan, o governo títere derrocado, que continuou aliado dos Estados Unidos e tivemos que lutar duramente, muito duramente, ano a ano, muitos países, fundamentalmente, os do Terceiro Mundo, entre eles, Cuba; como lutamos hoje contra o bloqueio, lutávamos então para que se reconhecesse o assento da República Popular Chinesa nas Nações Unidas e no Conselho de Segurança entre os cinco membros permanentes.

Isso se conseguiu em 1971; foi já impossível resistir aquele movimento da opinião pública mundial e o maior apoio do crescente número de membros da ONU; porque naquele período chegaram à independência política muitos países da África e de outras áreas do mundo, entre eles, países de grande peso, porque foi depois da Segunda Guerra Mundial que a Índia, o outro país mais populoso do mundo depois da China, alcança a independência; Indonésia, outro país dos mais populosos da Ásia, alcançou também a independência; o Japão esteve ocupado durante anos e, afinal, foram, pouco a pouco, cedendo-lhe as prerrogativas de nação soberana; muitos outros se tornaram independentes no Oriente Médio, na Oceania; já mencionei o Caribe. Assim se foram somando países e foram a constância e a tenacidade nessa luta que, finalmente, conseguiram fazer prevalecer esse direito elementar da China.

Hoje, 26 anos depois, aquele acontecimento alcança, eu diria, seu pleno valor nas atuais circunstâncias do mundo, pela importância e pelo peso que tem a China atualmente, incomparavelmente maior do que tinha quando por fim se aceitou sua condição de membro permanente do Conselho de Segurança.

No Conselho de Segurança, o país que menos fez uso do veto foi a China; utilizou-o muito excepcionalmente – talvez Alarcón saiba quantas vezes –; ao contrário, "o dono do mundo" – entre aspas, porque não é dono de todo o mundo, senão de quase todo o mundo – tem feito uso desse direito infinidade de vezes.

Hoje, o Terceiro Mundo tem um país amigo, esse Terceiro Mundo que tanto apoiou China; tem um amigo no Conselho de Segurança e entre os membros permanentes desse Conselho.

Não se mencionaram aqui e eu o lembrava, os sofrimentos do povo chinês, os enormes sacrifícios desse povo depois do triunfo da revolução e da independência; tenho que dizer assim, porque o país não foi plenamente independente, como também Cuba, senão no mesmo dia em que triunfou a revolução. Eles, por exemplo, durante bastante tempo estiveram bloqueados economicamente, isolados nesse campo de maneira quase total; contavam nos primeiros anos com a colaboração da URSS, dentro de certa medida, porque a URSS também acabava de sair de uma terrível guerra, onde sua indústria, sua agricultura, sua infra-estrutura ficaram praticamente destruídas; algum apoio lhe ofereceu, determinado apoio que sei que os chineses apreciavam muito, até que surgiram diferenças e dificuldades.

Não é a esses temas que quero referir-me. Mas recordo os anos do bloqueio econômico à China e recordo também quando as tropas norte-americanas, sob o mando de MacArthur, intervieram no conflito da Coréia, país que dividiram e que até hoje mantêm dividido, e chegaram até a fronteira da China. De modo que muito pouco tempo depois de finalizada a guerra de libertação, não menos de um milhão de voluntários chineses tiveram que empunhar armas e participar daquela contenda junto ao povo coreano, e infligir uma severa e colossal derrota às tropas intervencionistas dos Estados Unidos e seus aliados, até tornar a restabelecer a situação existente antes dessa guerra, que é a atual fronteira entre as duas regiões da Coréia. Não se pode esquecer esse episódio, nem as centenas de milhares de vidas que perderam os combatentes chineses.

Conversei com alguns dos que participaram daquele contra-ataque; era no meio de um frio inclemente, atravessando terrenos montanhosos, sem meios mecânicos, com um domínio aéreo total por parte dos Estados Unidos e de seus aliados, que inclusive ameaçavam com usar a arma nuclear. Havia nos Estados Unidos não poucos defensores da teoria de atacar mais além da fronteira chinesa, no desespero da derrota, porque os combatentes chineses avançavam incontendíveis, apesar da enorme diferença na técnica militar, até que chegaram ao ponto onde se mantém ainda essa linha, uma batalha tremenda.

Mais tarde, seguiu-se o bloqueio econômico; também, posteriormente, intervêm os imperialistas ianques no Vietnã, desatam sua guerra genocida e então aí se manifestou a solidariedade da China com o povo do Vietnã. Nesses tempos, foram dois países, a China e a URSS, os que forneciam armas e deram apoio político aos vietnamitas que, tão heroicamente, obtiveram a vitória, Essa vitória se obteve ao redor dos anos 70. Cuba ofereceu sua modesta cooperação: subministraram açúcar gratuitamente aos vietnamitas durante os anos de guerra. Não vale a pena nem mencioná-lo, senão com certa expressão da boa vontade e do espírito de solidariedade do nosso povo, que adicionalmente ofereceu seu apoio político total. No nosso povo também se criou um enorme sentimento de solidariedade com o Vietnã.

Vejam quantas vicissitudes tiveram que atravessar os chineses depois da guerra e durante quanto tempo; porém o imperialismo foi sofrendo uma derrota depois da outra. A lição da Coréia marcou pontos importantes; a lição do Vietnã marcou pontos importantes; eu diria que a resistência de Cuba aos bloqueios, às invasões mercenárias, às ameaças de guerra nuclear e tudo aquilo, marcou algum pontinho, também importante, nessa luta que lhe demonstrava ao mundo que era possível lutar e vencer o imperialismo. Eles sofreram um duro bloqueio econômico durante muitos anos, um pouco menos tempo que nós, que nisso sim temos o recorde; eles estiveram bloqueados durante 28 anos, nós já levamos 40.

Os fatos mencionados constituem uma prova irrefutável de que essas loucuras, essas políticas criminosas não podem ser eternas.

Os Estados Unidos, depois de todos os golpes que iam sofrendo em muitas partes, foram compreendendo que já era insustentável a posição que mantinham com relação à China, não só insustentável do ponto de vista do direito, dos princípios políticos, da carta das Nações Unidas e dos demais, senão insustentável também até do ponto de vista de seus interesses econômicos; a China constituía um enorme mercado potencial e eles não podiam prescindir desse mercado. Em tal sentido, os chineses sim têm uma grande vantagem...Bem, em muitas coisas têm vantagens, porém, neste sentido em particular tinham uma enorme vantagem em relação a Cuba, e é o fato de que sua população – agora somam um pouquinho mais – era ao redor de cento e vinte vezes maior que a de Cuba; um espaço territorial, como aqui se mencionou, de 9,6 milhões de quilômetros quadrados, quase cem vezes a nossa e, sem dúvida, um país de grandes recursos naturais.

Poderia acrescentar outras vantagens. Não viviam no meio do Ocidente, como vivemos nós, que somos portadores, em grande parte, da cultura herdada desse Ocidente. A China tem uma cultura milenária – grande vantagem do povo chinês – um idioma e uma escrita muito própria e muito complexa; não é uma língua tão fácil, não é precisamente de origem latina, nem de origem, digamos, ocidental; possuem na realidade uma língua milenar. Não estou em condições de saber quanto evoluiu desde os tempos anteriores à nossa era. Esses fatores culturais constituem força importante para defender a identidade, a integridade e a independência; um grande país, menos suscetível à penetração da cultura ocidental que nos rodeia.

Vejam vocês o que explicou o Embaixador. Eles, depois de mais de 25 anos de conflitos, guerras, bloqueio, já haviam recuperado importantíssimos direitos como aquele vaga no Conselho de Segurança, um respeito crescente no mundo, e apesar de erros, como assinalou o Embaixador; dificuldades de diversos tipos que ocorreram na própria política interna do país; num certo momento, quando não restou mais remédio ao Ocidente que reconhecer todos os direitos da China e quando cessaram todos os bloqueios, então vejam vocês a que ritmo extraordinário avançou esse país.

O que ele leu aqui – faz uns minutos estava revisando uma cópia do seu discurso, e já ouvira mencioná-lo em algumas falas do Embaixador – não tem precedentes na história de nenhuma sociedade humana: um crescimento médio sustentado de 9,8% durante 21 anos. Eu fazia contas de quantas vezes duplicaram a produção econômica nesse período. Já antes tinham obtido importantes avanços. Lembro-me que depois do triunfo revolucionário, os chineses construíram, a mão, grandes diques para evitar inundações e promover irrigação; muitas obras de todo tipo foram realizadas, iniciaram seus programas sociais desde o triunfo da Revolução; porém os avanços econômicos foram obstacularizados consideravelmente pelo bloqueio econômico a que se acrescentaram fatores subjetivos.

Quando – repito – todos tiveram que reconhecer os direitos da China e desapareceram todos os bloqueios e eles retificaram determinados erros – não digo que foram erros, esses são seus pontos de vista; não teríamos direito de nos tornar juízes de cada um dos fatos internos da China; porém eles, tal como explicava o Embaixador, tinham feito determinadas correções, tinham superado determinados erros, e erros comete todo mundo, isso sim que não se pode negar –; depois disso, conseguiram esse impressionante recorde, porque ele assinala, sobretudo, quanto cresceram a partir de 1978, em 21 anos. Não existe precedente, nunca existiu nada parecido com essa cifra.

É verdadeiramente muito satisfatório escutar o Embaixador reafirmar que esses êxitos foram possíveis a partir de uma ideologia política, a partir de uma ciência política, a partir do marxismo-leninismo, aos quais se acresceram os aportes teóricos importantes de Mao Zedong, aportes teóricos à luta política, aportes teóricos à luta revolucionária, aportes teóricos ao marxismo e ao qual se acrescentaram mais adiante os aportes teóricos e práticos de Deng Xiaoping. Una-se a isto uma característica que não se pode ignorar: a laboriosidade do povo chinês. É, realmente, um povo muito laborioso, muito trabalhador, isto é algo reconhecido em todas as partes do mundo, e em Cuba se sabe, porque, dedicados à agricultura, especialmente à produção de vegetais, contribuíram muito ao abastecimento da cidade com produtos frescos.

De modo que esse espírito laborioso é um fator importante que, a meu ver, contribuiu também a esses avanços do povo chinês, com uma teoria e através de uma revolução que conquista, junto às profundas mudanças sociais, a independência daquela grande nação; uma verdadeira e exemplar revolução, quando se analisa desde suas raízes, desde que se organizou nos anos 20 o primeira célula do Partido Comunista Chinês; sua rica história e, entre os fatos mais salientes, a longa marcha, uma proeza militar que tampouco tem paralelo na história, e a história fala de muitas proezas militares.

Lemos alguns livros sobre o que foi, dia a dia, aquele avanço, rodeado sempre de grandes unidades inimigas do governo títere, abastecido com todas as armas de que necessitava, centenas de divisões, e aquela proeza militar teve lugar em condições dificílimas, sempre cercados por grandes forças, constantemente burlando ao inimigo, vencendo barreiras naturais que, às vezes, eram montanhas nevadas, outras, rios impetuosos e largos, até chegar ao ponto onde estabeleceram durante muitos anos uma base em que permaneceram durante a guerra de libertação.

Houve um período em que os outros, os chamados nacionalistas, os títeres, os reacionários, estavam enfrentando a invasão estrangeira, na guerra contra os militaristas japoneses e, em certa medida, somando forças com os revolucionários chineses; porém aqueles que não estavam servindo nem ao povo nem à verdadeira independência do país, cometiam todo tipo de erros e fraquezas. Em certas ocasiões, os comunistas tinham que lutar contra os chamados nacionalistas de Chang Kai-Shek e contra as tropas japonesas; mas apesar disso fizeram uma decisiva contribuição à derrota dos militaristas japoneses – também estas realidades estão nas páginas da história moderna da China.

E aqueles que serviam à reação e ao imperialismo ianque, ao finalizar a Segunda Guerra Mundial, foram derrotados de forma decisiva, contundente e irreversível, se refugiaram na ilhota de Taiwan, que é parte integrante do território chinês, como nos pertencem as ilhotas que estão ao norte de Cuba, mais ainda que a ilha da Juventude, porque durante infinitamente mais tempo foi parte da China. São de nacionalidade chinesa os que vivem ali, de idioma chinês, de cultura chinesa, por muita influência ocidental que tenham recebido. Sua propriedade é direito inquestionável da nação chinesa. Não se pode negar absolutamente que se trata de um problema interno da China, em que ninguém tem o direito de intrometer-se, e é o que reclamam: o respeito à soberania do país, o respeito à integridade do país, o reconhecimento universal desse direito. Não estão reclamando a união de uma nação diferente, uma etnia diferente, uma cultura diferente.

Inclusive, os de Taiwan, até muito recentemente, e sobretudo quando estavam no Conselho de Segurança, durante 22 anos, falavam de uma única China, absolutamente integrada; até muito recentemente falavam nesse idioma.

Ah! Qual foi a primeira intervenção militar dos Estados Unidos para segregar Taiwan? Eu me lembro: nos dias da guerra da Coréia, a frota norte-americana se interpôs entre o território continental e a ilha de Taiwan, isso não se pode esquecer.

Aquilo se manteve pela força. O país não estava em condições de desenvolver uma batalha, nem o país queria fazê-lo; o país reclama seus direitos, exige que se lhe reconheça e deseja resolver o problema de forma pacífica. O que sim reclama, com todos seu direito é que não admitiria a perda de uma parte de seu território, o desgarramento de seu país mediante a declaração e o reconhecimento de uma república independente em Taiwan; disseram bem categoricamente que não admitirão e tenho certeza de que não o admitiriam, como tenho a esperança de que esse problema e o reconhecimento na teoria e na prática dos direitos inalienáveis da China se produzam sem nenhum tipo de guerra ou derramamento de sangue.

O que na realidade ocorre hoje é que os Estados Unidos e outros países ocidentais, enquanto falam da existência de uma única China, subministram ao governo separatista da ilha as mais modernas e sofisticadas armas e alimentam o movimento contra a integridade da China.

O Embaixador recordava e Machadito também mencionou o problema de Hong Kong. Souberam ter toda a paciência necessária, até que chegou o dia em que ao Ocidente e ao mundo não sobrou mais remédio que reconhecer o direito da República Popular da China à reintegração desse pedaço de seu território, arrebatado através de guerras coloniais, ignominiosas guerras coloniais.

Nestes tempos, se fala muito contra o tráfico de drogas; naquele tempo, o Império Britânico se apoderou desse território e os ocidentais desataram a guerra e enviaram tropas que chegaram até Pequim, para impor o direito de potências ocidentais a comerciar com o ópio na China. Essa é a verdade histórica.

Recordavam também que neste mesmo ano lhes devolverão Macao, o pedacinho que está em posse de um país europeu, e se fará de forma pacífica, algo que se acordou graças à paciência chinesa, paciência da qual todos devemos aprender e em parte nós temos aprendido, e se não aprendemos, o idealizamos por nossa por nossa própria conta, porque o dever de todo revolucionário é também atuar com toda a sabedoria necessária.

Eles esperaram e este ano tomarão posse daquele território. Criaram, para facilitar as coisas, o princípio de um país e dois sistemas. Prometeram aos de Hong Kong que ali permaneceria o sistema econômico e social e as instituições existentes, porém sob a soberania chinesa; ofereceram isso também a Taiwan, inclusive com mais amplitude. Porém, uma prova do espírito pacífico da China é o fato de que, apesar de que não havia forma de defender o enclave português de Macao, eles não aproveitaram nenhuma circunstância ou alguma conjuntura para apoderar-se desse enclave.

Um país vizinho, muito populoso, a Índia, não teve tanta paciência e num momento se apoderou de um enclave português que estava no território da Índia. É um bom exemplo do espírito pacífico da República Popular da China. Não usaram a força para resgatar aquele território; com a ajuda do tempo e do apoio internacional vão recuperando todos aqueles direitos que lhes foram arrebatados.

O Embaixador mencionava como haviam despedaçado o país; podia mencionar mais muitas coisas. Mencionei aquela história do ópio. Quantos crimes se cometeram contra essa grande nação até meados deste século, e quantos direitos lhe foram negados e desrespeitados, até que foram reivindicados praticamente no transcurso de dois terços deste século!

Respeite-se aos povos! Respeite-se sua integridade territorial! Não é esta uma época de desintegrar países, quando muitos povos, separados por fronteiras, por bandeiras e por hinos, lutam pela integração; a Europa luta pela integração; se une, praticamente elimina fronteiras; os países do Caribe lutam pela integração; os países da América Central lutam pela integração; os países da América do Sul lutam pela integração. América Latina luta por ela. É que nenhum país pequeno poderá existir no futuro praticamente isolado.

Digo mais: a Suíça, um país tradicionalmente ciumento de sua soberania, que graças, em parte, a sua excelente localização geográfica, em pleno coração dos Alpes, pôde manter-se neutra na Primeira e na Segunda Guerra Mundiais – e na Suíça, sei porque estive ali e falei com os dirigentes, todos os dirigentes eram partidários da integração com a Comunidade Econômica Européia, e 49% da população, falta só uma pequena fração para ser maioria –, não poderia viver só nos Alpes, isolada do resto da comunidade européia. Marcha inexoravelmente para a integração nessa comunidade.

Quem tem o direito a apoiar a desintegração na China? Quem tem direito a negar a demanda chinesa de que se reconheça a soberania sobre esse território de Taiwan? É absurdo, quando todo o mundo se integra, que alguém proclame a desintegração de um pedaço da China.

Vejam vocês o desastre que trouxe aos antigos países da União Soviética a desintegração; desintegração para que todos corram, fundamentalmente os Estados Unidos, a investir e a estabelecer seu hegemonismo, seu domínio e sua possessão sobre os recursos fundamentais dessas antigas repúblicas, principalmente gás e petróleo, produtos nos quais várias são muito ricas, assim como em outros minerais.

O mundo não marcha para a desintegração; marcha para a integração, não é só um direito histórico, senão um princípio do mundo moderno, uma necessidade da vida moderna. Isso é o que reclama a República Popular da China. E já a República Popular China de agora, deste milênio, o do século que logo começará, é muito diferente daquela república que surgiu há 50 anos num país arrasado por muitos anos de guerra, contra a invasão estrangeira.

A isto se somou a guerra revolucionária. Mais de 20 anos de intensos combates contra os inimigos internos e externos do povo chinês. O país destruído, o país que era pobre, o país que tinha sido explorado por exploradores externos e internos. Tinha que começar a reconstruir tudo aquilo. Já mencionei em que condições o fez.

É um país cuja economia avança tremendamente. É curioso; Machadito mencionou a contribuição que fizeram durante a crise asiática. Há algo mais: a República Popular Chinesa prestou um serviço extraordinário ao mundo nos meses recentes, especialmente desde 1998, naquela crise que começou pelo sudeste da Ásia e que conduziu à segunda potência mundial no campo econômico, que é o Japão, também a uma profundíssima crise, que depois se estendeu à Rússia, que já estava afetando seriamente os valores das ações das bolsas dos Estados Unidos e que ameaçava diretamente varrer a economia da América Latina.

Veja-se que o perigo foi tão grande que a América Latina em seu conjunto crescerá em 1999, se crescer, 0,5%; e se crescer 0,5% é porque um dos países com um peso importante na área, México, aporta um crescimento maior que estará ao redor de 4% ou 5%. Há países que têm o crescimento abaixo de zero, negativo; vários países, vários importantes países. Foi uma ameaça econômica mundial muito séria a qual não foi superada ainda, não se sabe com segurança se será superada em pouco tempo, e se tem a segurança – pelo menos eu a tenho – de que quando se recupere não será por muito tempo.

A China teve que fazer um enorme sacrifício econômico, sem o qual nada teria podido deter a crise. Para ela foi criada uma situação complicada, porque suas exportações cresciam ano a ano, porém quando a crise asiática desvalorizou as moedas de um grande número de países com certo nível de desenvolvimento – os chamados tigres asiáticos, orgulho da economia neoliberal, orgulho do imperialismo como exemplo do que se podia conseguir através de suas fatídicas receitas – e quando aquilo se despenca em questão de dias, já que uma atrás de outra se despencou a economia daqueles países, com tremendas conseqüências já para a economia do mundo, especialmente para os países do Terceiro Mundo, que estão desprotegidos totalmente nessas crises, os chineses ficaram em desvantagem, porque os preços das mercadorias de todos aqueles países caíram extraordinariamente, pois ao desvalorizar-se suas moedas, podiam exportar a preços baixos quanto quisessem.

A China pôde desvalorizar o yuan para proteger-se daquela competição para manter o ritmo de incremento das exportações e, com elas seus elevados crescimentos ininterruptos. O mundo tremia, o mundo! e não só o Terceiro Mundo, mas também o mundo industrializado tremia ante a idéia de que a China, com todo seu direito, e para proteger suas exportações e seu crescimento econômico, desvalorizasse o yuan. Não o fez e ainda não se ouviu muito o reconhecimento que merece a República Popular China por esse serviço que prestou ao mundo, e à custa de sua economia. Atuou com grande senso de responsabilidade; o prestígio do país cresceu no ano passado mais que os 7,8% de que falou Machadito quando se referia ao crescimento da economia chinesa. Deve ter crescido o prestígio da China, apenas com esse fato, pelo menos, 20% ou 30%; porém, creio que seu prestígio seria credor de um crescimento de 200%, porque ninguém é capaz de imaginar as conseqüências que teria tido uma medida desse tipo na China; contudo, estão regateando à China o ingresso na Organização Mundial do Comércio, e estamos todos desfechando uma batalha pelo ingresso da China na OMC.

A Europa e os Estados Unidos se arrogam o direito de dizer se ingressa ou não; repete-se, em parte, a batalha das Nações Unidas. E a OMC é temível, porque pode ser um instrumento terrível contra os interesses do Terceiro Mundo.

Ao Terceiro Mundo interessa que a China esteja dentro da OMC, é a que regula esta atividade; instrumento criado, sem dúvida – igual a outros instrumentos que já existem, como o FMI e as instituições similares que têm imposto o famoso neoliberalismo, cujas conseqüências nossos compatriotas conhecem através dos milhares de visitantes que chegam de todas as partes e das notícias jornalísticas relacionadas com essa teoria econômica cada vez mais desprestigiada e mais danosa – como um instrumento de domínio. Tudo o que o imperialismo criou depois da queda do campo socialista, são instrumentos para fortalecer seu domínio em todos os terrenos. No terreno econômico goza de uns privilégios incríveis que não podem continuar subsistindo. São os que imprimem a moeda de reserva do mundo, na qual não investem mais que papéis. Os europeus tratam de criar outra, para se protegerem desses super privilégios que existem à custa dos interesses do resto do mundo e beneficiar-se de certa forma ao compartilhar dos mesmos.

Todos estes temas formam parte das questões que há que discutir para mudar a ordem mundial existente, que foi estabelecida para isso.

O clube dos ricos, um grupo de países ricos – são ao redor de vinte e tantos, creio que 29 agora – inventou um projeto de acordo multilateral de investimentos, para convertê-lo em tratado internacional. Hoje existem acordos bilaterais, porém os membros do clube, conhecido como OCDE, inventaram um projeto e em segredo, ocultamente o estavam discutindo e ao ponto de lançá-lo. Quando algumas pessoas – creio que em França – descobriram o texto, que embora se soubesse que se estava discutindo, não se conhecia o conteúdo, armaram o grande escândalo e seus autores tiveram que interrompê-lo.

Onde tinha que se discutir isso era na OMC, porque cento e tantos países estão ali, e não entre os 30 países mais ricos. Não queriam que se discutisse na OMC apesar de ser a OMC um instrumento criado para fortalecer a hegemonia econômica, política e em todos os sentidos, dos Estados Unidos. Eles impuseram as condições dessa organização, é um instrumento do imperialismo; para isso foi criado, ainda que possa reverter-se num instrumento dos povos, onde os do Terceiro Mundo somos ampla maioria; porém os povos do Terceiro Mundo estão muito divididos porque, em vista de sua pobreza, têm uma enorme dependência dos Estados Unidos e das instituições comerciais e dos organismos financeiros por ele criados que, muitas vezes, os desunem.

Atuando unidos os países do Terceiro Mundo, com a China dentro da OMC, esta poderia converter-se em um instrumento de justiça, em um instrumento de resistência ao hegemonismo dos Estados Unidos, à nova ordem econômica, à ordem econômica atual que nos impuseram, somando, imediatamente, à ordem política que também impuseram, razão pela qual é tão importante, tão fundamental uma reforma das Nações Unidas; tudo isto está associado. A OMC poderia ser um instrumento de justiça, somos maioria nas Nações Unidas, e vocês vêem as votações na Assembléia Geral da ONU, por exemplo, as votações contra o bloqueio.

A Assembléia Geral conseguiu impor um dia o reconhecimento dos direitos da China no Conselho de Segurança, da China verdadeira, da única China que existe. Ah! por isso nós sempre reclamamos mais poderes para a Assembléia Geral das Nações Unidas; essa instituição precisa mudar.

O Embaixador chinês explicou com clareza e mencionou todos os conceitos de soberania limitada, ameaças globais, direito a intervenções como as que fizeram na Iugoslávia, a que se acrescenta o novo conceito estratégico da NATO, aprovada uns dias antes da guerra genocida, um direito que a NATO se auto-aplica, o de intervir em qualquer país, quando lhe interessa.

Todos esses problemas, disse, estão ligados, a intenção de ignorar as Nações Unidas, único instrumento que temos; uma organização mundial que existe,surgiu depois da Segunda Guerra Mundial. Não atende à situação atual do mundo, que tem quase 200 Estados independentes; surgiu com a participação de uns trinta e tantos ou quarenta e tantos Estados dirigidos pelas potências vitoriosas depois da Segunda Guerra Mundial. É imprescindível reestruturá-la, democratizá-la, porém isto requer táticas e estratégias; pelo menos para mim está bem claro a importância dos vínculos do Terceiro Mundo com a China e a necessidade do apoio da China nessa impostergável reestruturação, porque é membro permanente com direito a veto.

Os Estados Unidos podem obstacularizar dentro de certos limites e vai fazê-lo durante muito tempo, mas terá que discutir, como teve que discutir outras coisas a que se negou a discutir durante muitos anos, e não poderá impedir tampouco que se democratize as Nações Unidas, à medida que a opinião pública mundial se mobilize, que todos os povos se unam.

Ele mencionava esses princípios que o imperialismo quer varrer; é muito importante escutar aqui o Embaixador chinês afirmar que há que defender esses princípios e que essa é parte essencial da política exterior chinesa.

Afortunadamente, ontem tivemos oportunidade de escutar o Chanceler da Rússia... Porque a Rússia existe, não é uma superpotência, mas ainda é uma grande potência.

Qual é, a meu ver, a diferença entre superpotência e grande potência? Que uma pode ter poder para destruir a outra quinze vezes; e à outra pode sobrar poder para destruir à outra três ou quatro vezes; porém com uma sobra, e oxalá isso jamais aconteça!

Rússia é uma grande potência, a China é uma grande potência a partir de outro conceito, e em vários aspectos, muito maior que a Rússia; porém a Rússia é uma grande potência nuclear, possui um poderia militar nuclear que a China ainda não tem, e oxalá nunca o necessite.

O que obriga a China a manter o desenvolvimento tecnológico no campo militar é simplesmente a política agressiva contra o país, a ingerência nos assuntos internos do país, a negação de direitos elementares, as ameaças que significam todos os conceitos estratégicos; porque qualquer dia ocorre à NATO dizer que há uma ameaça global na China, e que é preciso intervir na China porque há um problema interno, um problema de qualquer tipo que possa surgir. É inconcebível, mas se arrogam esse direito. Por isso digo: oxalá não tenham necessidade de tornar-se uma grande potência nuclear!

Mas, que fazem os outros? Investir cada vez mais e mais em armas, cada vez mais e mais em desenvolvimento tecnológico militar. Recentemente lemos uma declaração de um dos importantes candidatos a presidente dos Estados Unidos, em que se comprometia a investir enormes somas em pesquisas militares para aperfeiçoar, entre outros, o armamento convencional. Para quê todo esse aperfeiçoamento? Por que todos esses desenvolvimentos tecnológicos quando a guerra fria terminou faz tempo? O que justifica esse armamentismo, que não seja a clara intenção de dominar o mundo, não só através de instrumentos políticos e econômicos, senão também militares, manter a disciplina num mundo caótico, neste mundo caótico? E nós sabemos que é caótico, não vou tentar explicar porque, mas sabemos muito bem com todos os detalhes e com cem argumentos, porque é caótico este mundo. E isso não se pode resolver com armas nucleares nem convencionais; mas é o desespero o que nos leva a isso, a querer todos os mecanismos de poder nas mãos: militar, político e econômico.

A própria Europa se sentiu humilhada pelo papelão que fez na guerra contra a Iugoslávia, já que 100% das bombas foram fabricadas nos Estados Unidos e 90% das operações foram realizadas pela aviação e pelos mísseis norte-americanos; tão humilhada se sentiu que tomou força a idéia de dispor de uma força própria da Europa, pela decisiva superioridade criada por seu aliado. Quão difícil aliado tem a Europa, e que perigoso aliado em todos os sentidos.

Já lhes dizia que foi agradável escutar ontem, por boca do Chanceler russo – não disse soviético, verdade?, disse russo, porque às vezes nos equivocamos pelo velho hábito; hoje não é soviético, hoje não é um país socialista, hoje não se cantaria A Internacional num ato em que se comemore algo relacionado com a Rússia. Mas a Rússia é um país ameaçado pela NATO que avança para suas fronteiras; a Rússia é um país ameaçado a quem o imperialismo norte-americano quer ver cada vez mais enfraquecido, e inclusive, desintegrado, de cujos enormes recursos naturais quisera apoderar-se. Não se contenta o grande capital norte-americano com os investimentos que fez em todos os países da antiga URSS, sobretudo na área do Mar Cáspio, onde se diz que existem enormes reservas petrolíferas e de gás e em outras repúblicas que estão mais além; não se contenta com seu ambicioso programa de apropriar-se e controlar toda essa riqueza, quer apoderar-se também dos recursos naturais e da riqueza da Rússia, impor-lhe condições, inclusive, reprimendas; faz uns dias lhe chamaram atenção numa reunião no Grupo dos Sete, por causa de um escândalo de ordem financeiro.

Esse país que não é um país socialista, tem interesses comuns, muitos interesses comuns com outros países; os tem com a Europa e esta não está tranqüila nem feliz. Sobretudo, a Europa não gosta muito que do outro lado do mar lhe imponham aventuras, como foi a aventura da Iugoslávia ou outras que se possam ocorrer aos Estados Unidos.

A partir da última experiência dessa guerra genocida, mais a proclamação de doutrinas novas de aspecto estratégico-militar e a defesa entusiasta de teorias políticas novas que tendem a varrer a Carta das Nações Unidas e a estabelecer o direito dos poderosos a intervir em qualquer parte do mundo; o mundo se sente ameaçado, e o sabemos bem.

É muito bom, lemos que as relações entre a Rússia e a China melhoram cada vez mais; isso é muito bom; lemos que têm mantido posições comuns em relação à guerra bárbara contra a Iugoslávia, isso é muito bom; sabemos que têm posições comuns acerca dos supostos direitos para desintegrar os que queiram desintegrar, como desintegraram a Iugoslávia e como conseguiram desintegrar a URSS.

Todos estes temas preocupam muitos países no mundo.

E lá na Europa, não só aconteceu a desintegração da URSS, o capital norte-americano, como disse, se vai apoderando das economias dos antigos países socialistas, querem apoderar-se de tudo ali. Ah!, estamos porém vivendo tempos novos, um século que se inicia dentro de um pouco mais de um ano – porque o 2000 é o último ano deste século, não nos esqueçamos disto – há grandes desafios e tarefas para os países do Terceiro Mundo, para países como a China, para países como a Rússia.

Sabemos que a Rússia trata de desenvolver suas relações não só com a Europa, mas também com o Terceiro Mundo, e palavras semelhantes às pronunciadas hoje pelo Embaixador chinês, escutamos da boca do Chanceler russo no que se refere a esses princípios que mencionava anteriormente e que pretendem varrer os direitos dos povos que fazem parte das Nações Unidas e os princípios que têm sido garantia relativa, porém garantia, em determinada medida, de sua soberania e de sua independência. Digo relativas porque sabemos que, apesar desses direitos, os Estados Unidos tem interferido num grupo de países ao longo destas últimas décadas, sem licença de ninguém – já o sabemos – porém sempre esbarrando na lei internacional; e agora querem fazer o que bem entendem, sem esbarrar em nenhuma lei internacional, com nenhum princípio estabelecido.

É preciso desferir uma batalha dura nas Nações Unidas, como a que desenvolveu nossa delegação. É muito o que temos que lutar, e há muitos interesses comuns entre alguns países que são membros do Conselho de Segurança e do resto do mundo.

Por estas e por outras razões o mundo está adquirindo consciência destes problemas, e isso é visível. Há força suficiente para resistir, força suficiente para avançar, mais ainda ajudados pelas leis da história e da realidade de um sistema e de uma ordem econômica mundial que é insustentável, que se despenca, e é capaz, inclusive, de desmontar-se só, ainda que tenha ajudar a sua derrubada, e mais que ajudar a sua derrubada, há que formar a consciência no mundo dessas realidades, para que os povos resistam mais firmemente a essa ordem e contribuam a seu desaparecimento progressivo. Ainda que se tenha a segurança de não ser muito progressiva esse desaparecimento, porque quando se produza uma catastrófica crise econômica, como a que já esteve a ponto de acontecer, e seja ainda maior, porque quanto mais se dilate, mais forte será essa crise, é preciso levantar o espírito de luta dos povos, sua vontade resistir; é preciso fazê-los tomar consciência de que têm que se ir preparando para novos conceitos, uma nova concepção do mundo, uma nova ordem econômica mundial verdadeiramente justa, que é o que deve resultar da luta dos povos.

Os povos têm que lutar para proteger não já sua economia, seus direitos, têm que lutar para defender sua própria sobrevivência. Varrem o meio ambiente, o destruem.

Há apenas um ano passou o Mitch pela América Central com efeitos devastadores, e agora vemos as imagens de inundações colossais, uma mudança climática visível e que já ninguém nega: a quem golpeia primeiro? Aos países mais pobres, aos países do Terceiro Mundo.

É por isso que senti uma certa necessidade de fazer estas reflexões, porque me parecem questões muito importantes, dignas de se levarem em conta num dia como hoje. Porém, além disso, senti desejo de expressar que nestes anos difíceis, quando perdemos de repente nossos mercados, temos o mercado chinês; quando era muito difícil adquirir determinados subministros, uma parte desses os adquiríamos na República Popular Chinesa; nossos navios vão e vêm, levam e trazem produtos. Têm uma indústria farmacêutica muito desenvolvida; muitas matérias-primas para nossa indústria farmacêutica, às vezes difíceis de conseguir, as conseguimos na China e com bons preços. Têm sido colaboradores com nosso país, desenvolvendo intercâmbios e relações econômicas com Cuba, desenvolvendo também relações políticas com Cuba nestes anos do período especial. Quase todos os seus principais dirigentes visitaram nosso país.

Tivemos a honra de receber aqui o presidente Jiang Zemin e não nos equivocamos desde o primeiro contato pessoal, em nossa justa apreciação de sua inteligência, suas condições políticas e humanas, sua capacidade de dirigente responsável e estadista de sólidos princípios.

Além disso, vemos na China, porque lemos as notícias todos os dias, o outro país atacado pela propagando ocidental. Não há dia em que não apareçam várias notícias internacionais falando sobre questões e assuntos internos da China e se na China prendem a alguém porque viola a lei, o escândalo vem de imediato; se na China proíbem um grupinho porque está fazendo dano à união e à estabilidade do país ou uma política traiçoeira aos interesses desse grande povo, lá vai o escândalo. A propaganda hoje se concentra fundamentalmente contra Cuba; porém também há forte propaganda contra a China, propaganda diversionista utilizando todos os meios possíveis, criando o imperialismo novas emissoras para que transmitam aos 1250 milhões de chineses as idéias ocidentais, os hábitos de consumo ocidentais, as loucuras ocidentais ou, principalmente as loucuras norte-americanas; é um país ao qual se combate ideologicamente todo o possível.

Por isso hoje, conscientes de nossas forças, as forças potenciais do mundo, os aliados potenciais do Terceiro Mundo, as possibilidades de nossos povos, pensando nisso, escutando as palavras do Embaixador, senti realmente profunda satisfação e me alegrei muito de vir a este ato – ainda não tinha em absoluto idéia de falar; já me estendi um pouquinho mais do que lhes havia prometido – e escutar aqui por boca do Embaixador essa frase que mereceu tanto aplauso, e ademais em espanhol – porque nos falou com precisão em espanhol; conhece Cuba, viveu e trabalhou há anos em Cuba; por isso fala o espanhol com tanta clareza como um de nós – quando disse aquilo: "Socialismo ou morte", e quando acrescentou: "Venceremos", disse algo de que estamos absolutamente convencidos.

E por isso me emocionou também muito escutar aqui neste ato A Internacional, avalizada pelo que aqui foi dito, alicerçada com os dados exatos que aqui se informaram para demonstrar que só o socialismo pode resolver os problemas do mundo; só o socialismo podia alimentar 1250 milhões de chineses e dar-lhes praticamente uma moradia, uma televisão a cada família chinesa, outros muitos utensílios do lar e, em especial, os recursos essenciais para a vida. Isto é, nesse país se alimenta aproximadamente 22% da população mundial com 7% das terras agrícolas.

Outro grande exemplo, um país que passou fome e mais fome sob o domínio dos senhores feudais e do capitalismo, aliados sempre das grandes potências coloniais e dominantes, quando eram só 400 ou 500 milhões, hoje, com o triplo da população, erradicou para sempre a fome. E aqui mesmo explicou o Embaixador que têm sido capazes de produzir 40% dos ovos que se produzem no mundo, 490 milhões de toneladas de cereais e outras cifras semelhantes.

E pudéramos dizer que a China está começando, esse 7,8% foi difícil. Como puderam conseguir se diminuiu consideravelmente o ritmo das exportações? Ah!, pelos recursos que foram acumulando. Elevadas reservas em divisas lhes permitiram não só fazer aquela contribuição de que falei a respeito do yuan, senão manter um ritmo de crescimento que, se não ia depender tanto das exportações, ia depender do incremento do consumo interno e manter o desenvolvimento para buscar emprego, porque em todas suas tarefas de reestruturação logicamente têm necessidade imperiosa de criar emprego; devem enfrentar-se também com a migração do campo para a cidade, à medida que aquele eleva a produtividade e produz um excedente de mão-de-obra.

Puderam manter o yuan; teria sido muito mais fácil desvalorizar o yuan, não o desvalorizaram, mantiveram suas reservas, manejaram a economia com sabedoria e conseguiram os 7,8% de crescimento nestas condições. Não só suportaram a crise do sudeste asiático naqueles países onde os donos do capital levaram o dinheiro, onde os amos das finanças mundiais pilharam até o último dólar da sua reserva, criando-se as condições ideais para que as grandes multinacionais dos Estados Unidos pudessem adquirir empresas e fábricas em qualquer un desses países a baixo preço; nem so resistiram a crise, senão que não desvalorizaram o yuan, oferecendo um extraordinário serviço ao mundo, e apesar disso cresceram um 7,8%. Estão em condições de continuar travando a batalha, apesar das dificuldades que hoje sofre o mundo.

Tudo quanto foi dito dessa história é fruto de algo que se chama socialismo, é fruto duma doutrina surgida para comover o mundo, a doutrina marxista, o socialismo científico, a revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes, que tem tornado possível nossa incrivelmente heróica proeza de resistir 40 anos de bloqueio e quase 10 de período especial.

Por isso repito aqui a consigna com que o Embaixador terminou:

Socialismo ou Morte!

Venceremos!

(Ovação)

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