DISCURSO DO COMANDANTE-EM-CHEFE FIDEL CASTRO RUZ NA SEGUNDA ASSEMBLEIA NACIONAL DO POVO DE CUBA, REALIZADA NA PRAÇA DA REVOLUÇÃO, A 4 DE FEVEREIRO DE 1962
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Companheiros e companheiras da Segunda Assembléia Geral Nacional do Povo:
Reúne-se por segunda vez, com caráter de órgão soberano da vontade do povo cubano, esta Assembléia Geral no dia de hoje; e reúne-se para dar cabal resposta à manobra, à conjura, ao conluio dos nossos inimigos em Punta del Este.
Hoje o mundo anda de olhos em nosso povo; os povos de todos os continentes estão esperando esta resposta de nossa pátria. As mensagens que foram lidas na tarde de hoje demonstram quanto interesse, quanta atenção, quanta solidariedade tem despertado o comício de hoje.
Evidentemente, nosso povo sabia muito bem o que se propunham os imperialistas ianques; nossos povos estão perfeitamente informados de suas intenções; nosso povo —que há três anos está sob a fustigação incessante do imperialismo ianque— sabia o objetivo deles em Punta del Este, sabia que essa conferência não tinha outro propósito do que promover novas agressões e novos conluios contra nosso país. E, logicamente já o imperialismo deu novos passos agressivos. Como explicou nosso Presidente quando falou hoje à tarde, já os imperialistas acordaram mais um embargo—mais um! — sobre nossas relações comerciais.
Ainda restava um comércio, principalmente de charutos e frutas, com os Estados Unidos, por um valor de vários milhões de dólares. Quando a delegação ianque propôs em Punta del Este sanções econômicas e políticas, o cessar do comércio e o cessar das relações diplomáticas do resto dos governos —dos que ainda temos relações, dos que ainda não se submeteram, dos que resistiram às pressões do imperialismo— com o objetivo de que cortassem as relações conosco, o imperialismo, já em plena crise, embora tenha conseguido uma parte dos seus propósitos —e é preciso analisar e considerar atentamente os acordos ali tomados e os propósitos desses acordos— não conseguiu obter tudo o que pretendia, apesar de que conseguiu declarações de condena contra Cuba, devido às pressões enormes que fizeram com todos os chanceleres.
Tão desvergonhada, tão irracional, tão injustificada era sua demanda, tão deprimente, tão desmoralizadora para os governos ali representados, que alguns governos se resistiram em aceitar o máximo das exigências ianques. E em virtude de sua resistência, porque não estavam dispostos a cortar relações simplesmente por uma ordem de Washington, e porque afinal esses governantes estariam obrigados ou a cumprir acordos que não consideravam justos, ou a desacatar esses acordos. O imperialismo, ao que parece, não estimou prudente levar tão longe o assunto nesta reunião como para impor com sua maioria mecânica de 14 títeres um acordo que podia ser desacatado pela minoria que, sendo uma minoria, contudo representa 70% da população da América Latina.
O imperialismo, digo, não conseguiu impor o acordo do cessar das relações comerciais. O que pretendia o imperialismo era —quando voltasse sua delegação— realizar este novo embargo sobre o comércio dos Estados Unidos com Cuba. Não conseguiu o acordo. E como mais uma prova de que o imperialismo não lhe importa a OEA e de que a OEA não é mais do que um ministério de colônias ianques, um bloque militar contra os povos da América Latina, quando voltou a delegação de Punta del Este, o primeiro que fizeram foi ditar essa nova medida e proibir de maneira absoluta todas as compras de produtos a Cuba; isto é, a compra do charuto, a compra dos nossos frutos e daqueles produtos que ascendiam a algumas somas de consideração.
É claro que, como o imperialismo não podia deixar de ser cínico, como o senhor Kennedy não podia deixar de ser um desvergonhado (EXCLAMAÇÕES e ASSOBIOS) —como tem sido desde que tomou posse, desde que rejeitou toda possibilidade de levar adiante uma política pacífica com nosso povo, desde que organizou sua criminosa e cobarde invasão às nossas costas e todos os acontecimentos que custaram o sangue e as vidas de filhos do nosso povo—, não podia deixar de acompanhar sua última felonia com a hipocrisia. A hipocrisia mais inaudita é o selo que acompanha todos os atos do imperialismo.
O que fez? Proibir toda compra de produtos a Cuba; isto é, privar-nos de mais de 20 milhões de dólares e, junto dessa medida, declarar que eles, os “bons”, os “nobres”, os “eternamente humanitários”, não proibiam, mas que nós lhes comprássemos a eles, que nós lhes comprássemos alimentos e medicamentos. Quer dizer, que enquanto nos tiram os dólares produto do nosso comércio, os poucos que ficavam com os Estados Unidos depois que nos arrebatassem nossa quota de centenas de milhões de dólares, dizem que, em troca, não proíbem que nos vendam. Ou seja, que nos tiram os recursos para comprar, tiram-nos os dólares destinados precisamente a matérias-primas, a maquinarias, alimentos, medicamentos e enquanto por um lado ditam essa criminosa, unilateral e vergonhosa medida —mais uma contra nosso povo—, declaram que, em troca, estariam dispostos a vender mercadorias e alimentos.
Seria bom perguntar-lhes —visto que são tão “bons”— por que não as dão a crédito também. Visto que estão dispostos a vender os remédios e alimentos, por que não os dão a crédito? Porque nos tiram os dólares das compras, e então dizem que, em troca, não proíbem as vendas. Mas essa é a caraterística eterna da hipocrisia que acompanha o imperialismo, com o objetivo de ocasionar a nosso povo embaraços, dificuldades, carências, filas e dificuldades de todo tipo, para submeter nosso povo mediante todos os sacrifícios, mediante a imposição de todos os sacrifícios, de todas as rasteiras, de todas as batotas, de todos os ataques arteiros e cobardes contra nossa pátria.
Com certeza, Cuba não estaria onde está, nem nossa pátria ocuparia o lugar que hoje ocupa no conceito dos outros povos do mundo, se detrás da pátria, se detrás da bandeira soberana da pátria, se detrás da Revolução não estivesse o povo, se detrás desta Revolução não estivesse este povo (APLAUSOS). E nossa Revolução não teria chegado a ser o que é hoje, e Cuba não seria abandeirada da liberdade da América, se detrás deste acontecimento histórico da Revolução não estivesse um povo digno desse lugar de honra que hoje ocupa nos corações dos 200 milhões de irmãos da América Latina (APLAUSOS); se detrás da pátria soberana, se detrás da bandeira livre, se detrás da Revolução redentora não houvesse um povo firme e heróico como este, a pátria nem seria livre nem a bandeira seria soberana, nem a Revolução marcharia à frente com a firmeza inquebrantável com que marcha.
A palavra de Cuba está apoiada por um povo inteiro; a palavra da representação de Cuba, ali onde falou para os povos e para a história, estava apoiada por um povo inteiro. Por isso nossa palavra tem valor, por isso tem valor perante os olhos do mundo, por isso tem valor perante a história! Porque os que lá falaram contra nossa pátria suas mentiras, fizeram-no apenas para repetir os slogans criminosos de seus amos. E detrás das palavras vazias dos impugnadores da pátria cubana, não havia um povo; detrás estavam os assassinos de operários e de estudantes, de camponeses; detrás estava o mais corrompido, o pior das nossas nações irmãs. Povo não, mas ausência de povo, vazio de povo! Até quando terão a desvergonha e o cinismo de falar de democracia? Até quando estarão usando, até desgastar, essa coitada palavra, infeliz palavra de “democracia representativa”? Representativa só da vontade do imperialismo, representativa só da exploração, representativa só da traição; democracia que é a democracia da ausência do povo. Porque todos esses governos, os 14, os 14 que votaram contra Cuba, convocam o povo, e os 14 não conseguem reunir tanto povo quanto reúne aqui a Revolução Cubana (APLAUSOS).
Se aquilo é democracia, o quê é isto? Se aquilo onde existe a exploração do homem, se aquilo onde os homens são discriminados por motivo de raça, se aquilo onde os pobres são miseravelmente explorados e maltratados é democracia, o quê é, então, isto? Se democracia quer dizer povo, se democracia quer dizer governo do povo, então, o quê é isto? Se democracia é a expressão da vontade do povo, cabe dizer o único que pode ser dito: que o país, o povo e o regime mais democrático da América, é este regime que pode reunir o povo em uma praça gigantesca como esta (APLAUSOS), que pode congregar centenas e centenas e centenas de milhares, que pode congregar um milhão, que pode congregar quem sabe quantos, porque cada vez são mais, mais e mais os que se reúnem, e já a multidão chega junto do Castelo do Príncipe (APLAUSOS).
A este povo, que com sua presença demonstra sua dignidade e sua posição, é ao que querem submeter os imperialistas, é o povo que querem dividir e desagregar os imperialistas, é o povo que querem esmagar os imperialistas para que nunca mais regesse a vontade soberana do povo, para que nunca mais se voltassem a congregar as multidões como aqui se congregam, e para que o destino e a riqueza da pátria fosse dilapidada, e o curso de sua história desviado pela vontade das camarilhas que se reúnem na sombra, de costas para os povos; para que já nunca mais se vissem multidões gigantescas pelas estradas da pátria e nas praças da pátria, erguendo com orgulho suas bandeiras e proclamando ao mundo seus formosos slogans.
Os Imperialistas o que querem é esmagar o povo, oprimi-lo, ultrajá-lo, fazer pedaços nossa dignidade nacional, como despedaçaram a dignidade de muitos povos irmãos deste continente. É a este povo, rebelde e heróico, ao que querem esmagar. E eis aí seu erro, eis aí seu grande erro, eis aí a causa de seu fracasso, porque o imperialismo jamais esmagará à Revolução Cubana (APLAUSOS), o imperialismo jamais vencerá à Revolução Cubana (APLAUSOS).
Se os fantoches do imperialismo, se os capatazes e capangas do imperialismo e a ralé que os acompanha (EXCLAMAÇÕES e ASSOBIOS) pudessem contemplar não mais do que um minuto o que nossos olhos e os olhos dos visitantes que nos acompanham estão vendo hoje, talvez, talvez reparassem, talvez se pudessem apreciar, nem que seja, os perfis de seu tamanho e descomunal erro do impossível que pretendem, quiçá reparassem o fraco e o impotente que são; quiçá se reflexionassem, porque até agora apenas têm errado e têm persistido no erro; até agora, com suas agressões, não têm feito mais do que fortalecer Cuba.
E nosso povo, perante essas agressões, deve dobrar seu espírito de trabalho, deve dobrar a fortaleza de sua consciência revolucionária.
O quê fazer perante os que querem, a força de privações, a força de agressões e a força de bloqueios, render a pátria? O quê deve ser feito? Pois, simplesmente, é preciso trabalhar mais, é preciso colocar mais interesse em tudo, é preciso triplicar o cuidado e a atenção na produção, nas fábricas, nas cooperativas, nas fazendas, nos campos, em todas as partes (APLAUSOS); triplicar o esforço para extrair o máximo de nossa riqueza com o que temos, para extrair tudo o que necessitamos, para ir resistindo o bloqueio nestes meses, e quiçá longos anos de luta e de sacrifícios que o imperialismo nos impõe; utilizar todos os recursos que temos para produzir, para resistir e, ao mesmo tempo, distribuir melhor o que temos, distribuir melhor o que produzimos.
E, por isso, é dever que cumprirá o Governo Revolucionário de estudar todas as medidas necessárias para que nosso povo possa distribuir bem o que tem, para que aquilo que tenhamos sob o bloqueio chegue a todos, para que todos partilhemos sem egoísmo o que temos (APLAUSOS).
Não importa que aqui não importemos automóveis em muitos anos; não importa, inclusive, que muitos objetos de luxo não cheguem a Cuba em muitos anos. Não importa, se esse é o preço da liberdade; não importa, se esse é o preço da dignidade; não importa, se esse é o preço que nos exige a pátria! (APLAUSOS.)
Afinal de contas, o povo nunca teve luxos; afinal de contas, o povo nunca teve mais do que a exploração, a humilhação, a discriminação, a servidão, o desemprego e a fome; afinal de contas, os luxos foram para as minorias, para o povo foram os sacrifícios.
E que consegue o imperialismo, que vai conseguir, que o povo esteja privado durante uns quantos anos daquelas coisas das que se viu privado sempre? Mas o povo, que tem hoje o que não teve nunca, que tem igualdade, que tem dignidade, que tem justiça, que é dono da pátria, que é dono das suas fábricas e das suas riquezas, que é dono do seu destino, que é livre; o povo, o verdadeiro povo, o povo sofrido de sempre, esse povo troca, com prazer, o que não teve nunca, porque amanhã terá, por tudo o que terá para sempre (APLAUSOS).
Resistiremos em todos os campos: resistiremos no campo da economia; continuaremos avançando no campo da cultura. Lá, por trás da gigantesca multidão, enxerga-se outra multidão, cujos vestidos são de cor diferente, de cor uniforme: são os 50 000 bolseiros que estão estudando (APLAUSOS), que estão estudando em nossa capital; são o futuro prometedor da pátria, são os futuros engenheiros das nossas fábricas futuras, os técnicos, os que elevarão a produtividade do trabalho do nosso povo aos mais altos níveis; são o porvir, são a promessa, são o futuro, são o mundo do amanhã que a pátria está forjando, porque a pátria não trabalha para hoje, a pátria trabalha para amanhã. E esse amanhã cheio de promessas ninguém nos poderá arrancar, ninguém nos poderá impedir, porque com a inteireza do nosso povo o vamos conquistar, com o valor e o heroísmo do nosso povo o vamos conquistar.
E continuaremos fortalecendo-nos, não só no campo da economia e da cultura, resistindo, senão que continuaremos resistindo ali onde mais lhes doe aos imperialistas; continuaremos fortalecendo nossas forças de combate, nossas unidades armadas revolucionárias (APLAUSOS); continuaremos aumentando a capacidade defensiva da pátria, continuaremos fortalecendo-nos cada dia mais, e cada dia mais dispostos a que se os imperialistas, surdos e cegos se lançam de novo, recebam uma derrota ainda maior da que receberam em Praia Girón! (APLAUSOS PROLONGADOS), podem vir seus mercenários, ou seus títeres, ou eles próprios. Porque, alguém aqui tem medo do imperialismo? (EXCLAMAÇÕES DE: “Não!”) Quem fica tremendo por causa do imperialismo? (EXCLAMAÇÕES DE: “Ninguém!”) E quando pensamos nas ameaças e nas manobras dos imperialistas, o quê fazemos? (EXCLAMAÇÕES DE: “Rir-nos!”) Rimo-nos dos imperialistas! Rimo-nos de sua desesperação porque, simplesmente, sentimos imenso, mas não lhes temos medo; sentimos imenso, mas não nos assustam esses assassinos do imperialismo, não nos assustam esses criminosos do imperialismo, porque nós sabemos —e se eles não o sabem, para que o saibam— que se invadirem nosso país, enquanto tenhamos um fuzil, enquanto reste aqui um homem ou mulher, vamos lutar contra eles! (APLAUSOS PROLONGADOS E EXCLAMAÇÕES DE: “Venceremos!”)
E, além disso, não vamos ficar sozinhos. Conosco vão estar, em primeiro lugar, nossos irmãos da América Latina (APLAUSOS); os povos que tão galhardamente, tão valorosamente, lutaram nas ruas de muitas nações oprimidas, que tão dignamente, e em massa, apoiaram à Revolução, enquanto decorria a conferência de Punta del Este; os povos que enviaram seus melhores representantes a Cuba e à própria Punta del Este, para falar lá não em nome das oligarquias mas dos povos. E vamos ter a solidariedade de todos os povos liberados do mundo, e vamos ter a solidariedade de todos os homens e mulheres dignos do mundo (APLAUSOS).
Portanto, de pé firme, sem hesitações, estamos dispostos a resistir seja lá o que for! (APLAUSOS), estamos dispostos a encarar qualquer coisa! (APLAUSOS), sem perder o sono. Mas que os imperialistas se preparem também a esperar, nesse caso, o que acontecer! (APLAUSOS.)
E é bom que os imperialistas se resignem à idéia de que isso é tão terrível, de que isso que tanto temem, de que isso que lhes provoca insônia, que se chama revolução dos povos explorados pelo imperialismo, isso, acontecerá também inexoravelmente, por lei da história! (APLAUSOS.)
Vamos, então, ao mais importante desta tarde, que é a Segunda Declaração da Havana (APLAUSOS), nossa mensagem aos povos da América e do mundo, a palavra do nosso povo neste minuto histórico, apoiada por este povo, apoiada por sua presença, de tal maneira, como nunca na América esteve apoiada nenhuma palavra, nenhuma mensagem.
Conosco encontram-se numerosos latino-americanos que visitam nosso país ou participaram da Conferência dos Povos em Havana (APLAUSOS), mas eles não devem ser apenas espectadores. Propomos à Assembléia Geral Nacional do Povo que os latino-americanos não sejam espectadores, mas que também tenham direito a votar junto do povo de Cuba pela Declaração de Havana (APLAUSOS PROLONGADOS E EXCLAMAÇÕES DE: “Fidel, Fidel!”)
Algum dia eles poderão reunir também seus povos, como fazemos nós hoje, e poderão expressar também seu pensamento tão livremente quanto nós hoje.
O povo deve prestar atenção a cada palavra, a cada frase deste documento, desta Segunda Declaração, que propomos, em nome das Organizações Revolucionárias Integradas e do Governo Revolucionário, ao povo de Cuba:
DO POVO DE CUBA AOS POVOS DA AMÉRICA E DO MUNDO
Nas vésperas de sua morte, em carta inconclusa porque uma bala espanhola lhe atravessou o coração, a 18 de maio de 1895 José Martí, Apóstolo de nossa independência (APLAUSOS), escreveu a seu amigo Manuel Mercado: “Já posso escrever... já estou todos os dias em perigo de dar minha vida por meu país, e por meu dever... de impedir a tempo com a independência de Cuba que se estendam pelas Antilhas os Estados Unidos e caiam, com essa força mais, sobre nossas terras da América. Quanto fiz até hoje, e farei, é para isso... As mesmas obrigações menores e públicas dos povos, mais vitalmente interessados em impedir que em Cuba se abra, pelo anexionismo dos imperialistas, o caminho que se há de ceifar, e com nosso sangue estamos ceifando, do anexionismo dos povos de nossa América ao Norte revoltado e brutal que os despreza, ter-lhes-iam impedido a adesão ostensível e ajuda patente a este sacrifício que se faz em bem imediato e deles. Vivi no monstro e lhe conheço suas entranhas; e minha funda é a de David.”
Martí, em 1895, assinalou o perigo que pairava sobre América e chamou o imperialismo por seu nome: imperialismo. Aos povos da América advertiu que eles estavam mais do que ninguém interessados em que Cuba não sucumbisse à cobiça ianque, desprezadora dos povos latino-americanos. E com seu próprio sangue, derramado por Cuba e por América, rubricou as póstumas palavras que, em homenagem a sua lembrança, o povo de Cuba subscreve hoje no cabeçalho desta Declaração.
Decorreram 67 anos. Porto Rico foi tornado colônia e é ainda colônia saturada de bases militares. Cuba caiu também nas garras do imperialismo. Suas tropas ocuparam nosso território. A Emenda Platt foi imposta à nossa primeira Constituição, como cláusula humilhante que consagrava o odioso direito de intervenção estrangeira. Nossas riquezas passaram a suas mãos, nossa história foi falseada, nossa administração e nossa política moldada por inteiro aos interesses dos interventores; a nação foi submetida a 60 anos de asfixia política, econômica e cultural.
Mas Cuba se levantou, Cuba conseguiu redimir-se a si própria da bastarda tutela. Cuba quebrou as cadeias que amarravam sua sorte ao império opressor, resgatou suas riquezas, reivindicou sua cultura, e ergueu sua bandeira soberana de território e povo livre da América (APLAUSOS).
Os Estados Unidos já não poderão cair jamais sobre América com a força de Cuba, mas em troca, dominando à maioria dos Estados da América Latina, os Estados Unidos pretendem cair sobre Cuba com a força da América.
O quê é a história de Cuba senão a história da América Latina? E o quê é a história da América Latina senão a história de Ásia, África e Oceania? E o quê é a história de todos esses povos senão a história da exploração mais despiedosa e cruel do imperialismo no mundo inteiro?
No fim do século passado e inícios do presente, um punhado de nações economicamente desenvolvidas tinham terminado de se partilhar o mundo, submetendo a seu domínio econômico e político as duas terceiras partes da humanidade, que, dessa forma, se viu obrigada a trabalhar para as classes dominantes do grupo de países de economia capitalista desenvolvida.
As circunstâncias históricas que permitiram a certos países europeus e aos Estados Unidos da América um alto nível de desenvolvimento industrial, os colocou em posição de poder submeter a seu domínio e exploração ao resto do mundo.
Que motivos impulsionaram essa expansão das potências industrializadas? Foram razões de tipo moral, “civilizadoras”, como eles alegavam? Não: foram razões de tipo econômico.
Desde o descobrimento da América, que lançou os conquistadores europeus através dos mares a ocuparem e explorarem as terras e os habitantes de outros continentes, o afã de riqueza foi o móbil fundamental de sua conduta. O próprio descobrimento da América foi realizado em busca de rotas mais curtas para o Oriente, cujas mercadorias eram altamente pagas na Europa.
Uma nova classe social, os comerciantes e os produtores de artigos manufaturados para o comércio, apareceu no seio da sociedade feudal de senhores e servos no fim da Idade Média.
A sede de ouro foi a mola que movimentou os esforços dessa nova classe. O afã de lucros foi o incentivo de sua conduta através de sua história. Com o desenvolvimento da indústria manufatureira e o comércio foi crescendo sua influência social. As novas forças produtivas que se desenvolviam no seio da sociedade feudal chocavam cada vez mais com as relações de servidão próprias do feudalismo, suas leis, suas instituições, sua filosofia, sua moral, sua arte e sua ideologia política.
Novas idéias filosóficas e políticas, novos conceitos do direito e do Estado foram proclamados pelos representantes intelectuais da classe burguesa, os que por responder às novas necessidades da vida social, pouco a pouco foram conscientizados pelas massas exploradas. Eram então idéias revolucionárias perante às idéias caducas da sociedade feudal. Os camponeses, os artesãos e os operários das manufaturas, encabeçados pela burguesia, deram cabo da ordem feudal, sua filosofia, suas idéias, suas instituições, suas leis e os privilégios da classe dominante; isto é, a nobreza hereditária.
Então a burguesia considerava justa e necessária a revolução. Não pensava que a ordem feudal podia e devia ser eterna, como pensa agora de sua ordem social capitalista. Alentava os camponeses a se libertarem da servidão feudal, alentava os artesãos contra as relações gremiais, e reclamava o direito ao poder político. Os monarcas absolutos, a nobreza e o alto clero defendiam tenazmente seus privilégios de classe, proclamando o direito divino da coroa e a intangibilidade da ordem social. Ser liberal, proclamar as idéias de Voltaire, Diderot ou Juan Jacobo Rousseau, porta-vozes da filosofia burguesa, constituía então para as classes dominantes um delito tão grave como é hoje para a burguesia ser socialista e proclamar as idéias de Marx, Engels e Lenine (APLAUSOS).
Quando a burguesia conquistou o poder político e estabeleceu sobre as ruínas da sociedade feudal seu modo capitalista de produção, sobre esse modo de produção erigiu seu Estado, suas leis, suas idéias e instituições.
Essas instituições consagravam, em primeiro lugar, a essência de sua dominação de classe: a propriedade privada. A nova sociedade, baseada na propriedade privada sobre os meios de produção e na livre concorrência, ficou assim dividida em duas classes fundamentais: uma, dona dos meios de produção, cada vez mais modernos e eficientes; a outra, desprovida de toda riqueza, possuidora só de sua força de trabalho, obrigada a vendê-la no mercado como mais uma mercadoria para poder subsistir.
Ultrapassados os obstáculos do feudalismo, as forças produtivas se desenvolveram extraordinariamente. Surgiram as grandes fábricas onde se acumulava um número cada vez maior de operários.
As fábricas mais modernas e tecnicamente eficientes iam tirando do mercado os competidores menos eficazes. O custo dos equipamentos industriais era cada vez maior; era necessário acumular cada vez verbas superiores de capital. Uma parte importante da produção foi-se acumulando em um número menor de mãos. Surgiram assim as grandes empresas capitalistas e, mais à frente, as associações de grandes empresas através de cárteres, sindicatos, trustes e consórcios, segundo o grau e o caráter da associação, controlados pelos donos da maioria das ações, isto é, pelos mais poderosos cavalheiros da indústria. A livre concorrência, característica do capitalismo em sua primeira fase, deu lugar aos monopólios que concertavam acordos entre si e controlavam os mercados.
Donde saíram as colossais somas de recursos que permitiram a um punhado de monopolistas acumular milhares de milhões de dólares? Simplesmente, da exploração do trabalho humano. Milhões de homens, obrigados a trabalharem por um salário de subsistência, produziram com seu esforço os gigantescos capitais dos monopólios. Os trabalhadores acumularam as fortunas das classes privilegiadas, cada vez mais ricas, cada vez mais poderosas. Através das instituições bancárias, elas chegaram a dispor não apenas de seu próprio dinheiro, mas também do dinheiro de toda a sociedade. Desta maneira aconteceu a fusão dos bancos com a grande indústria e nasceu o capital financeiro. Então, o quê fazer com os grandes excedentes de capital que em quantidades maiores se ia acumulando? Invadir com eles o mundo. Sempre em prol do lucro, começaram a se apoderar das riquezas naturais de todos os países economicamente fracos e a explorar o trabalho humano dos seus habitantes com salários muito mais miseráveis que os que estavam obrigados a pagar aos operários da própria metrópole. Dessa maneira começou a partilha territorial e econômica do mundo. Em 1914, oito ou dez países imperialistas tinham submetido a seu domínio econômico e político, fora das suas fronteiras, territórios cuja extensão ascendia a 83 700 000 quilômetros quadrados, com uma população de 970 milhões de habitantes. Simplesmente se tinham partilhado o mundo.
Mas, como o mundo era limitado em extensão, partilhado até o último canto do globo, houve conflitos entre os vários países monopolistas e surgiram as pugnas por novas partilhas, originadas na distribuição não proporcional ao poder industrial e econômico que os vários países monopolistas, em desenvolvimento desigual, tinham alcançado. Explodiram as guerras imperialistas, que custariam à humanidade 50 milhões de mortos, dezenas de milhões de inválidos e incalculáveis riquezas materiais e culturais destruídas. Ainda não tinha acontecido isto quando Marx escreveu que “o capital recém-nascido transpirava sangue e lama por todos os poros, dos pés à cabeça” (APLAUSOS).
O sistema capitalista de produção, depois de ter dado o que era capaz, tornou-se num obstáculo abissal do progresso da humanidade. Mas a burguesia, desde sua origem, levava em si mesma seu contrário. Em seu seio se desenvolveram gigantescos instrumentos produtivos, mas por sua vez se desenvolveu uma nova e vigorosa força social: o proletariado (APLAUSOS), chamado a mudar o sistema social já velho e caduco do capitalismo por uma forma econômica-social superior e em correspondência com as possibilidades históricas da sociedade humana, tornando em propriedade de toda a sociedade esses gigantescos meios de produção que os povos, e nada mais que os povos com seu trabalho, tinham criado e acumulado. Com esse grau de desenvolvimento das forças produtivas, era absolutamente caduco e anacrônico um regime que postulava a propriedade privada e, com isso, a subordinação da economia de milhões e milhões de seres humanos aos ditados de uma exígua minoria social.
Os interesses da humanidade reclamavam o cessar da anarquia na produção, o esbanjamento, as crises econômicas e as guerras de rapina próprias do sistema capitalista. As crescentes necessidades do gênero humano e a possibilidade de satisfazê-las exigiam o desenvolvimento planejado da economia e a utilização racional dos seus meios de produção e recursos naturais.
Era inevitável que o imperialismo e o colonialismo entrassem em profunda e incontornável crise. A crise geral se iniciou a raiz da Primeira Guerra Mundial, com a revolução dos operários e camponeses que derrubou o império czarista da Rússia (APLAUSOS) e implantou, em difíceis condições de cerco e agressão capitalistas, o primeiro Estado socialista do mundo, iniciando uma nova era na história da humanidade (APLAUSOS). Desde então até nossos dias, a crise e a decomposição do sistema imperialista têm aumentado incessantemente.
A Segunda Guerra Mundial desatada pelas potências imperialistas, e que arrastou a União Soviética e outros povos da Europa e da Ásia, criminosamente invadidos, a uma sangüenta luta de libertação, culminou na derrota do fascismo, na formação do campo mundial do socialismo, e na luta dos povos coloniais e dependentes por sua soberania. Entre 1945 e 1957, mais de 1 200 milhões de seres humanos conquistaram sua independência na Ásia e na África. O sangue derramado pelos povos não foi em vão (APLAUSOS).
O movimento dos povos dependentes e colonizados é um fenômeno de caráter universal que agita o mundo e marca a crise final do imperialismo.
Cuba e América Latina fazem parte do mundo. Nossos problemas fazem parte dos problemas que emanam da crise geral do imperialismo e da luta dos povos submetidos; do embate entre o mundo que nasce e o mundo que morre. A odiosa e brutal campanha desatada contra nossa pátria expressa o esforço desesperado como inútil que os imperialistas fazem para evitar a liberação dos povos. Cuba representa uma dor especial para os imperialistas. O quê esconde à Revolução Cubana por trás do ódio ianque? O quê explica racionalmente a conjura que reúne no mesmo propósito agressivo à potência imperialista mais rica e poderosa do mundo contemporâneo e às oligarquias de todo um continente, que juntos supõem representar uma população de 350 milhões de seres humanos, contra um pequeno povo de apenas 7 milhões de habitantes, economicamente subdesenvolvido, sem recursos financeiros nem militares para ameaçar nem a segurança nem a economia de nenhum país? Os une e os concita o medo. Explica-o o medo. Não o medo à Revolução Cubana; o medo à revolução latino-americana (APLAUSOS). Não o medo aos operários, camponeses, estudantes, intelectuais e setores progressistas das camadas médias que tomaram revolucionariamente o poder em Cuba, mas o medo a que os operários, camponeses, estudantes, intelectuais e setores progressistas das camadas médias tomem revolucionariamente o poder nos povos oprimidos, famintos e explorados pelos monopólios ianques e a oligarquia reacionária da América (APLAUSOS); o medo a que os povos pilhados do continente arrebatem as armas a seus opressores e se declarem, como Cuba, povos livres da América (APLAUSOS).
Esmagando a Revolução Cubana, acreditam dissipar o medo que os atormenta, o fantasma da revolução que os ameaça. Liquidando a Revolução Cubana, acreditam liquidar o espírito revolucionário dos povos. Pretendem, em seu delírio, que Cuba é exportadora de revoluções. Em suas mentes de negociantes e agiotas insones cabe a idéia de que as revoluções se podem comprar ou vender, alugar, emprestar, exportar ou importar como mais uma mercadoria. Ignorantes das leis objetivas que regem o desenvolvimento das sociedades humanas, acreditam que seus regimes monopolistas, capitalistas e semi-feudais são eternos. Educados em sua própria ideologia reacionária, mistura de superstição, ignorância, subjetivismo, pragmatismo, e outras aberrações do pensamento, têm uma imagem do mundo e da marcha da história acomodada a seus interesses de classes exploradoras. Supõem que as revoluções nascem ou morrem no cérebro dos indivíduos ou por efeito das leis divinas e que, aliás, os deuses estão de sua parte. Sempre acreditaram o mesmo, desde os devotos pagãos patrícios na Roma escravista, que lançavam os cristãos primitivos aos leões do circo, e os inquisidores na Idade Média que, como guardiões do feudalismo e da monarquia absoluta, imolavam na fogueira os primeiros representantes do pensamento liberal da nascente burguesia, até os bispos que hoje, em defesa do regime burguês e monopolista, anatematizam as revoluções proletárias. Todas as classes reacionárias em todas as épocas históricas, quando o antagonismo entre exploradores e explorados chega a sua máxima tensão, pressagiando o advento de um novo regime social, acudiram às piores armas da repressão e a calúnia contra seus adversários. Acusados de incendiar Roma e de sacrificar crianças em seus altares, os cristãos primitivos foram levados ao martírio. Acusados de hereges foram levados pelos inquisidores à fogueira filósofos como Giordano Bruno, reformadores como Huss e mais milhares de inconformes com a ordem feudal. Sobre os lutadores proletários ensina-se hoje a persecução e o crime, precedidos das piores calúnias na imprensa monopolista e burguesa. Sempre, em cada época histórica, as classes dominantes assassinaram invocando a defesa da sociedade, da ordem, da pátria: “sua sociedade” de minorias privilegiadas sobre maiorias exploradas, “sua ordem de classe” que mantêm custe o que custar sobre os mais carentes; “a pátria” que eles sozinhos desfrutam, privando o resto do povo desse desfrute, para reprimir os revolucionários que aspiram a uma sociedade nova, uma ordem justa, uma pátria verdadeira para todos.
Mas o desenvolvimento da história, a marcha ascendente da humanidade, não se detém nem pode deter-se. As forças que impulsionam os povos —que são os verdadeiros construtores da história—, determinadas pelas condições materiais de sua existência e a aspiração a metas superiores de bem-estar e liberdade, que surgem quando o progresso do homem no campo da ciência, da técnica e da cultura o tornam possível, são superiores à vontade e ao terror que desatam as oligarquias dominantes.
As condições subjetivas de cada país —ou seja, o fator consciência, organização, direção— podem acelerar ou atrasar a revolução segundo seu maior ou menor grau de desenvolvimento; mais cedo do que tarde, em cada época histórica, quando as condições objetivas amadurecem, a consciência se adquire, a organização se consegue, a direção aparece e a revolução acontece (APLAUSOS).
Que ela seja atingida por vias pacíficas ou nasça ao mundo depois de um parto doloroso, não vai depender dos revolucionários; irá depender das forças reacionárias da velha sociedade, que se resistem a deixar nascer a sociedade nova que é engendrada pelas contradições que leva em seu seio a velha sociedade. A revolução é na história como o médico que assiste o nascimento de uma nova vida. Não emprega sem necessidade os aparelhos de força, mas os emprega sem hesitações cada vez que for necessário para ajudar o parto (APLAUSOS); parto que traz às massas escravizadas e exploradas a esperança de uma vida melhor.
Em muitos países da América Latina a revolução é hoje inevitável. Esse fato não é determinado pela vontade de ninguém; está determinado pelas espantosas condições de exploração em que vive o homem americano, o desenvolvimento da consciência revolucionária das massas, a crise mundial do imperialismo e o movimento universal de luta dos povos submetidos.
A inquietação que hoje se registra é sintoma inequívoco de rebelião. Agitam-se as entranhas de um continente que foi testemunha de quatro séculos de exploração escrava, semi-escrava e feudal do homem, desde seus moradores aborígines e os escravos trazidos da África, até os núcleos nacionais que surgiram depois; brancos, negros, mulatos, mestiços e indígenas aos que hoje os une o desprezo, a humilhação e o jugo ianque, como irmana a esperança de um amanhã melhor.
Os povos da América se libertaram do colonialismo espanhol no início do século passado, mas não se libertaram da exploração. Os latifundiários feudais assumiram a autoridade dos governantes espanhóis, os indígenas continuaram em penosa servidão, o homem latino-americano numa ou noutra forma continuou escravo e as esperanças mínimas dos povos sucumbiram sob o poder das oligarquias e do domínio do capital estrangeiro. Esta tem sido a verdade da América, com um ou outro matiz, com alguma que outra vertente. Hoje América Latina jaz sob um imperialismo muito mais feroz, mais poderoso e mais despiedoso que o império colonial espanhol.
E diante da realidade objetiva e historicamente inexorável da revolução latino-americana, qual é a atitude do imperialismo ianque? Está disposto fazer uma guerra colonial contra os povos da América Latina; criar o aparelho de força, os pretextos políticos e os instrumentos pseudo-legais assinados com os representantes das oligarquias reacionárias para reprimir a sangue e fogo a luta dos povos latino-americanos.
A intervenção do governo dos Estados Unidos na política interna dos países da América Latina tem sido cada vez mais aberta e desenfreada.
A Junta Interamericana de Defesa, por exemplo, tem sido e é o ninho onde são incubados os oficiais mais reacionários e pró-ianques dos exércitos latino-americanos, utilizados depois como instrumentos golpistas ao serviço dos monopólios.
As missões militares norte-americanas na América Latina constituem um aparelho de espionagem permanente em cada nação, vinculado estreitamente à Agência Central de Inteligência, inculcando aos oficiais os sentimentos mais reacionários e tratando de tornar os exércitos em instrumentos dos seus interesses políticos e econômicos.
Atualmente, na zona do Canal de Panamá, o alto comando norte-americano tem organizado cursos especiais de treino para oficiais latino-americanos, de luta contra guerrilhas revolucionárias, dirigidos a reprimir a ação armada das massas camponesas contra a exploração feudal a que estão submetidas.
Nos próprios Estados Unidos, a Agência Central de Inteligência tem organizado escolas especiais para treinar agentes latino-americanos nas mais sutis formas de assassinato, e é política acordada pelos serviços militares ianques a liquidação física dos dirigentes antiimperialistas.
É notório que as embaixadas ianques em vários países da América Latina estão organizando, instruindo e equipando bandos fascistas para semear o terror e agredir as organizações operárias, estudantis e intelectuais. Esses bandos, onde recrutam os filhos da oligarquia, o lúmpen e gente do pior caráter moral, têm perpetrado já uma série de atos agressivos contra os movimentos populares.
Nada mais evidente e inequívoco dos propósitos do imperialismo que sua conduta nos recentes acontecimentos de São Domingos. Sem nenhum tipo de justificação, sem mediar sequer relações diplomáticas com essa república, os Estados Unidos, depois de colocar seus navios de guerra frente à capital dominicana, declararam, com sua habitual insolência, que se o governo de Balaguer solicitava ajuda militar, desembarcariam suas tropas em São Domingos contra o levantamento do povo dominicano. Que o poder de Balaguer fosse absolutamente espúrio, que cada povo soberano da América deva ter direito a resolver seus problemas internos sem intervenção estrangeira, que existam normas internacionais e uma opinião mundial, que inclusive existisse uma OEA, não contava para nada nas considerações dos Estados Unidos. O que contavam eram seus desígnios de impedir a revolução dominicana, a reimplantação dos odiosos desembarques de sua infantaria de marinha; sem mais base nem requisito para fundamentar esse novo conceito flibusteiro do direito, que a simples solicitação de um governante tirânico, ilegítimo e em crise. O que isto significa não deve escapar aos povos. Na América Latina há sobrados governantes desse tipo, dispostos a utilizar as tropas ianques contra seus respectivos povos quando estiverem em crises.
Esta política declarada do imperialismo norte-americano, de enviar soldados a combater o movimento revolucionário em qualquer país da América Latina, isto é, para matar operários, estudantes, camponeses, homens e mulheres latino-americanos, não tem outro objetivo do que continuar mantendo seus interesses monopolistas e os privilégios da oligarquia traidora que os apoia.
Agora se pode enxergar com toda clareza que os pactos militares assinados pelo governo dos Estados Unidos com governos latino-americanos —pactos secretos muitas vezes e sempre às costas dos povos— invocando hipotéticos perigos exteriores que ninguém viu nunca por parte alguma, tinham o único e exclusivo objetivo de prevenir a luta dos povos; eram pactos contra os povos, contra o único perigo: o perigo interior do movimento de liberação que colocasse em risco os interesses ianques. Não sem razão os povos se perguntavam: Por que tantos convênios militares? Para que os envios de armas que, se tecnicamente são inadequadas para uma guerra moderna, são eficazes para esmagar greves, reprimir manifestações populares e ensangüentar o país? Para que as missões militares, o Pacto de Rio de Janeiro e as mil e uma conferências internacionais?
Desde que findou a Segunda Guerra Mundial, as nações da América Latina se têm depauperado cada vez mais; suas exportações têm cada vez menos valor; suas importações, preços mais altos; a renda per capita, diminui; as pavorosas percentagens de mortalidade infantil não diminuem; o número de analfabetos, é superior; os povos carecem de trabalho, de terras, de moradias adequadas, de escolas, de hospitais, de vias de comunicação e de meios de vida. Em câmbio, os investimentos norte-americanos ultrapassam 10 000 milhões de dólares. América Latina é, também, fornecedora de matérias-primas baratas e compradora de artigos elaborados caros. Como os primeiros conquistadores espanhóis, que trocavam aos indígenas espelhos e artigos baratos por ouro e prata, assim comerciam os Estados Unidos com América Latina. Conservar esse torrente de riqueza, apoderar-se cada vez mais dos recursos da América e explorar seus povos sofridos: eis o que se ocultava por trás dos pactos militares, das missões castrenses e das intrigas diplomáticas de Washington.
Esta política de paulatino estrangulamento da soberania das nações latino-americanas, e de luz verde para intervir em seus assuntos internos, teve seu ponto culminante na última reunião de chanceleres. Em Punta del Este, o imperialismo ianque reuniu os chanceleres, para lhes arrancar mediante pressão política e chantagem econômica sem precedentes, com a cumplicidade de um grupo dos mais desprestigiados governantes deste continente, a renúncia à soberania nacional dos nossos povos e à consagração do odiado direito de intervenção ianque nos assuntos internos da América; a submissão dos povos à vontade omnímoda dos Estados Unidos da América, contra a qual lutaram todos os próceres, desde Bolívar até Sandino. E não se esconderam nem o governo dos Estados Unidos, nem os representantes das oligarquias exploradoras, nem a grande imprensa reacionária vendida aos monopólios e aos senhores feudais, para demandar abertamente acordos que equivalem à supressão formal do direito de autodeterminação dos nossos povos, apagar de vez, na conjura mais infame que lembra a história deste continente.
A portas fechadas, entre conciliábulos repugnantes donde o ministro ianque de colônias dedicou dias inteiros a vencer a resistência e os escrúpulos dalguns chanceleres, estando em jogo os milhões da tesouraria ianque em uma aberta compra-venda de votos, um punhado de representantes das oligarquias de países que em conjunto apenas somam um terço da população do continente, impulsionou acordos que servem em bandeja de prata ao amo ianque à cabeça de um princípio que custou todo o sangue dos nossos povos desde as guerras da independência. O caráter reles de tão tristes e fraudulentos sucessos do imperialismo, de seu fracasso moral, a unanimidade quebrada e o escândalo universal, não diminuem a gravidade que representam para os povos da América Latina os acordos que impuseram a esse preço. Naquele conclave imoral, a voz titânica de Cuba se levantou sem fraqueza nem medo para acusar perante todos os povos da América e do mundo o monstruoso atentado, e defender virilmente, e com dignidade que constará nos anais da história, não apenas o direito de Cuba, mas o direito desamparado de todas as nações irmãs do continente americano (APLAUSOS). A palavra de Cuba não podia ter eco naquela maioria adestrada, mas tampouco podia ter resposta; só cabia o silencio impotente perante seus demolidores argumentos, perante a diafaneidade e valentia das suas palavras. Mas Cuba não falou para os chanceleres, Cuba falou para os povos e para a história, onde suas palavras terão eco e respostas (APLAUSOS).
Em Punta del Este se concretizou uma grande batalha ideológica entre a Revolução Cubana e o imperialismo ianque. O quê representava ali, por quem falou cada um deles? Cuba representou os povos; os Estados Unidos representaram os monopólios. Cuba falou pelas massas exploradas da América; os Estados Unidos pelos interesses da oligarquia exploradora e imperialista. Cuba falou pela soberania (APLAUSOS); os Estados Unidos pela intervenção. Cuba falou pela nacionalização das empresas estrangeiras; os Estados Unidos por novos investimentos de capital forâneo. Cuba falou pela cultura; os Estados Unidos pela ignorância. Cuba falou pela reforma agrária; os Estados Unidos pelo latifúndio. Cuba falou pela industrialização da América; os Estados Unidos pelo subdesenvolvimento. Cuba falou pelo trabalho criador; os Estados Unidos pela sabotagem e o terror contra-revolucionário que praticam seus agentes, a destruição de canaviais e fábricas, os bombardeios de seus aviões piratas contra o trabalho de um povo pacífico. Cuba falou pelos alfabetizadores assassinados (APLAUSOS); os Estados Unidos pelos assassinos. Cuba falou pelo pão; os Estados Unidos pela fome. Cuba falou pela igualdade; os Estados Unidos pelo privilégio à discriminação. Cuba falou pela verdade (APLAUSOS); os Estados Unidos pela mentira. Cuba falou pela libertação; os Estados Unidos pela opressão. Cuba falou pelo futuro luminoso da humanidade; os Estados Unidos pelo passado sem esperança. Cuba falou pelos heróis que morreram em Girón para salvar a pátria do domínio estrangeiro (APLAUSOS e EXCLAMAÇÕES DE: “Fidel, seguro, nos ianques bate duro!”); os Estados Unidos pelos mercenários e traidores que servem ao estrangeiro contra sua pátria (VAIAS). Cuba falou pela paz entre os povos; os Estados Unidos pela agressão e a guerra. Cuba falou pelo socialismo (APLAUSOS PROLONGADOS); os Estados Unidos pelo capitalismo.
Os acordos obtidos pelos Estados Unidos com métodos tão vergonhosos que o mundo inteiro critica, não diminuem mas acrescentam a moral e a razão de Cuba; demonstram o entreguismo e a traição das oligarquias aos interesses nacionais e mostram aos povos o caminho da libertação; revelam a podridão das classes exploradoras, em cujo nome falaram seus representantes em Punta del Este. A OEA ficou desmascarada como o que é; um ministério de colônias ianques, uma aliança militar, um aparelho de repressão contra o movimento de libertação dos povos latino-americanos.
Cuba tem vivido três anos de Revolução sob incessante fustigação de intervenção ianque em nossos assuntos internos. Aviões piratas, procedentes dos Estados Unidos, lançando matérias inflamáveis, queimaram milhões de arrobas de cana; atos de sabotagem internacional perpetrados por agentes ianques, como a explosão do vapor La Coubre, custaram dezenas de vidas cubanas; milhares de armas norte-americanas de todo tipo foram lançadas em pára-quedas pelos serviços militares dos Estados Unidos sobre nosso território para promover a subversão; centenas de toneladas de materiais explosivos e máquinas infernais foram desembarcados furtivamente em nossas costas por lanchas norte-americanas para promover a sabotagem e o terrorismo; um operário cubano foi torturado na Base Naval de Guantánamo e privado da vida sem processo prévio nem explicação posterior alguma (VAIAS); nossa quota açucareira foi suprimida abruptamente, e proclamado o embargo de sobressalentes e matérias-primas para fábricas e maquinarias de construção norte-americana para arruinar nossa economia; navios artilhados e aviões de bombardeio, procedentes de bases preparadas pelo governo dos Estados Unidos, atacaram por surpresa portos e instalações cubanas; tropas mercenárias, organizadas e treinadas em países da América Central pelo próprio governo, invadiram em som de guerra nosso território, escoltadas por navios da frota ianque e com apoio aéreo desde bases exteriores, provocando a perda de numerosas vidas e a destruição de bens materiais; contra-revolucionários cubanos são instruídos no exército dos Estados Unidos e novos planos de agressão se realizam contra Cuba. Tudo isso tem estado acontecendo durante três anos incessantemente, à vista de todo o continente, e a OEA não sabe disso. Os chanceleres se reúnem em Punta del Este, e não admoestam sequer o governo dos Estados Unidos nem os governos que são cúmplices materiais dessas agressões. Expulsam Cuba, o país latino-americano vítima, o país agredido.
Os Estados Unidos têm pactos militares com países de todos os continentes; bloques militares com quanto governo fascista, militarista e reacionário há no mundo: a NATO, a SEATO e a CENTO, aos quais agora é preciso acrescentar a OEA; intervém no Laos, no Vietnã, na Coréia, em Formosa, em Berlim; envia abertamente navios a São Domingos para impor sua lei, sua vontade, e anuncia seu propósito de usar seus aliados da NATO para bloquear o comércio com Cuba, e a OEA não sabe disso. Reúnem-se os chanceleres e expulsam Cuba que não tem pactos militares com nenhum país. Dessa maneira, o governo que organiza a subversão em todo o mundo e forja alianças militares em quatro continentes, faz com que expulsem Cuba, acusando-a nada menos que de subversão com ligações extracontinentais.
Cuba, o país latino-americano que deu a propriedade das terras a mais de 100 000 pequenos agricultores (APLAUSOS), assegurado emprego todo o ano em fazendas e cooperativas a todos os operários agrícolas, transformado os quartéis em escolas (APLAUSOS), concedido 60 000 bolsas a estudantes universitários, secundários e tecnológicos, criado aulas para toda a população infantil, liquidado totalmente o analfabetismo (APLAUSOS), quadruplicado os serviços médicos, nacionalizado as empresas monopolistas (APLAUSOS), suprimido o abusivo sistema que tornava a vivenda num meio de exploração para o povo, eliminado praticamente o desemprego, suprimido a discriminação por motivo de raça ou sexo (APLAUSOS), barrido o jogo, o vício e a corrupção administrativa (APLAUSOS), armado o povo (APLAUSOS), feito realidade viva o desfrute dos direitos humanos ao liberar o homem e a mulher da exploração, a incultura e a desigualdade social (APLAUSOS); que se tem liberado de toda tutela estrangeira, adquirido plena soberania e estabelecido as bases para o desenvolvimento da sua economia com o objetivo de não ser mais um país monoprodutor e exportador de matérias-primas, é expulsa da Organização dos Estados Americanos por governos que não têm conseguido para seus povos nem uma só destas reivindicações (APLAUSOS). Como poderão justificar sua conduta perante os povos da América e do mundo? Como poderão negar que em seu conceito a política de terra, de pão, de trabalho, de saúde, de liberdade, de igualdade e de cultura, de desenvolvimento acelerado da economia, de dignidade nacional, de plena autodeterminação e soberania, é incompatível com o hemisfério?
Os povos pensam muito diferentes. Os povos pensam que o único incompatível com o destino da América Latina é a miséria, a exploração feudal, o analfabetismo, os salários de fome, o desemprego, a política de repressão contra as massas operárias, camponesas e estudantis, a discriminação da mulher, do negro, do indígena, do mestiço, a opressão das oligarquias, a pilhagem das suas riquezas pelos monopólios ianques, a asfixia moral dos seus intelectuais e artistas, a ruína dos seus pequenos produtores pela concorrência estrangeira, o subdesenvolvimento econômico, os povoados sem estradas, sem hospitais, sem moradias, sem escolas, sem indústrias, a submissão ao imperialismo, a renúncia à soberania nacional e a traição à pátria.
Como os imperialistas poderão fazer entender sua conduta, a atitude de condena para com Cuba? Com que palavras lhes vão falar e com que sentimento, a quem têm ignorado, embora explorado, por tanto tempo?
Os que estudam os problemas da América, costumam perguntar que país, quem têm enfocado com correção a situação dos indigentes, dos pobres, dos indígenas, dos negros, da infância desvalida, essa imensa infância de 30 milhões em 1950 —que será de 50 milhões dentro de oito anos. Sim, quem? Que país?
Trinta e dois milhões de indígenas conformam —tanto quanto a mesma Cordilheira dos Andes— o continente americano inteiro. Claro que para os que os têm considerado quase como uma coisa, mais do que como uma pessoa, essa humanidade não conta, não contava e acreditavam que nunca contaria. Contudo, como supunha uma força cega de trabalho, devia ser utilizada, como é utilizada uma junta de bois ou um trator.
Como poderá acreditar-se em nenhum benefício, em nenhuma aliança para o progresso, com o imperialismo; sob que juramento, se sob sua santa proteção, suas matanças, suas perseguições ainda vivem os indígenas do sul do continente, como os da Patagônia, em aldeamentos, como viviam seus antepassados quando chegaram os descobridores, quase quinhentos anos atrás; onde os que foram grandes raças que povoaram o norte argentino, Paraguai e Bolívia, como os guaranis, que foram aniquilados ferozmente, como quem caça animais e a quem se lhes enterrou nos interiores das selvas; onde a essa reserva autóctone, que poderia ter servido de base a uma grande civilização americana —e cuja extinção se apressura por instantes— e à que se lhe tem empurrado América adentro através dos esteiros paraguaios e os altiplanos bolivianos, tristes, rudimentares, raças melancólicas, embrutecidas pelo álcool e os narcóticos, aos que se acolhem para pelo menos sobreviver nas condições infra-humanas (não só de alimentação) em que vivem; onde uma cadeia de mãos se estica —quase inutilmente, ainda—, estica-se por séculos inutilmente, por sobre as lombos da cordilheira, suas faldas, ao longo dos grandes rios e entre as sombras das florestas, para unir suas misérias com o resto das pessoas que perece lentamente, as tribos brasileiras e as do norte do continente e suas costas, até alcançar os 100 000 motilones da Venezuela, no mais incrível atraso e selvagemente confinados nas florestas amazônicas ou nas serras de Perijá; aos solitários vapichanas que nas terras quentes das Guianas esperam seu final, já quase perdidos definitivamente para a sorte dos humanos? Sim, a todos esses 32 milhões de indígenas que se estendem desde a fronteira com os Estados Unidos até os confins do hemisfério do sul e 45 milhões de mestiços, que em grande parte pouco diferem dos indígenas; a todos esses indígenas, a este formidável caudal de trabalho, de direitos esmagados; sim, o quê lhes pode oferecer o imperialismo? Como poderão acreditar esses ignorados em algum benefício que vier de tão sangrentas mãos? Tribos inteiras que ainda andam nuas; outras que as supõem antropófagas; outras que, no primeiro contato com a civilização conquistadora, morrem como insetos; outras que são desterradas, isto é, são lançadas fora das suas terras, são empurradas até serem jogadas nas florestas ou nas montanhas ou nas profundidades das planícies onde não chega nem o menor átomo de cultura, de luz, de pão, nem nada.
Em que “aliança” —como não seja em uma para sua mais rápida morte— vão acreditar essas raças indígenas espancadas durante séculos, mortas a tiros para ocupar suas terras, mortas a pauladas aos milhares, por não trabalharem mais rápido nos seus serviços de exploração pelo imperialismo?
E ao negro? Que “aliança” lhes pode oferecer o sistema dos linchamentos e da preterição brutal do negro dos Estados Unidos, aos quinze milhões de negros e catorze milhões de mulatos latino-americanos que sabem com horror e cólera que seus irmãos do norte não podem viajar nos mesmos veículos que seus compatriotas brancos, nem freqüentar as mesmas escolas, nem sequer morrer nos mesmos hospitais? Como vão acreditar neste imperialismo, em seus benefícios, em suas “alianças” (a não ser que seja para os linchar e explorar como escravos) esses núcleos étnicos preteridos; essas massas, que não conseguiram desfrutar nem medianamente de nenhum benefício cultural, social ou profissional; que inclusive onde são maiorias, ou formam milhões, são maltratadas pelos imperialistas disfarçados de Ku-Klux-Klan; são agrilhoados nos bairros mais insalubres, nas casas coletivas menos confortáveis, feitas por eles próprios; empurrados aos ofícios mais ignóbeis, aos trabalhos mais duros e às profissões menos lucrativas, que não tenham contato com as universidades, as altas academias ou escolas particulares?
Que Aliança para o Progresso pode servir de incentivo a esses cento e sete milhões de homens e mulheres da nossa América, medula do trabalho em cidades e campos, cuja pele escura —negra, mestiça, mulata, indiana— inspira desprezo aos novos colonizadores? Como vão confiar na suposta aliança os que em Panamá viram com mal contida impotência que há um salário para o ianque e outro salário para o panamenho, que eles consideram raça inferior?
Que podem esperar os operários com seus salários de fome, os trabalhos mais rudes, as condições mais miseráveis, a desnutrição, as doenças e todos os males que incuba a miséria?
O quê lhes pode dizer, que palavras, que benefícios poderão lhes oferecer os imperialistas aos mineiros do cobre, do estanho, do ferro, do carvão, que deixam seus pulmões em benefício de donos longínquos e inclementes; aos pais e filhos das plantações de madeiras, de seringueiras, de ervas, dos pomares, dos engenhos de café e de açúcar, dos serviçais nas pampas e nas planícies que amassam com sua saúde e com suas vidas a fortuna dos exploradores?
Que podem esperar estas massas imensas que produzem as riquezas, que criam os valores, que ajudam a parir um novo mundo em todas partes; que podem esperar do imperialismo, essa boca insaciável, essa mão insaciável, sem outro horizonte imediato do que a miséria, o desamparo mais absoluto, a morte fria e sem história?
Que pode esperar esta classe, que mudou o curso da história noutras partes do mundo, que revolucionou o mundo, que é vanguarda de todos os humildes e explorados; o quê pode esperar do imperialismo, seu inimigo mais irreconciliável?
O quê pode oferecer o imperialismo, que classe de benefício, que sorte de vida melhor e mais justa, que motivo, que aliciente, que interesse para superar-se, para conseguir transcender seus simples e primários degraus, a professores, a catedráticos, a profissionais, a intelectuais, aos poetas e aos artistas; aos que cuidam com ciúme das gerações de crianças e jovens para que o imperialismo se assanhe depois neles; aos que têm salários humilhantes na maioria dos países; aos que sofrem as limitações de sua expressão política e social em quase todas partes; que não ultrapassam, em suas possibilidades econômicas, mais do que a simples linha dos seus precários recursos e compensações, enterrados em uma vida cinza e sem horizontes que acaba em uma aposentadoria que então já não cobre nem a metade das despesas? Que “benefícios” ou “alianças” poderá lhe oferecer o imperialismo, que não for as que redundem em seu total proveito? Se lhes criar fontes de ajuda a suas profissões, a suas artes, a suas publicações, será sempre no bem entendido de que suas produções deverão refletir seus interesses, seus objetivos, seus “nadas”. Os romances que tentem de refletir a realidade do mundo das suas aventuras rapaces; os poemas que queiram traduzir protestos por seu avassalamento, por sua ingerência na vida, na mente, nas vísceras dos seus países e povos; as artes combativas que pretendam apresar em suas expressões as formas e o conteúdo da sua agressão e constante pressão sobretudo o que vive e alenta progressivamente; tudo o que é revolucionário, o que ensina, o que tenta de guiar, cheio de luz e de consciência, de clareza e de beleza, aos homens e aos povos a melhores destinos, para mais altas cimeiras do pensamento, da vida e da justiça, encontra a reprovação mais encarniçada do imperialismo; encontra o empecilho, a condena, a perseguição macarthista. Suas imprensas são fechadas; seu nome é apagado das colunas e aplicasse-lhe a louça do silêncio mais atroz, que é, então —uma contradição mais do imperialismo—, quando o escritor, o poeta, o pintor, o escultor, o criador em qualquer material, o cientista, começam a viver de verdade, a viver na língua do povo, no coração de milhões de homens do mundo. O imperialismo tudo o transtroca, o deforma, o canaliza por suas vertentes, para seu proveito, para a multiplicação do seu dólar, comprando palavras, ou quadros, ou mudez, ou transformando em silêncio a expressão dos revolucionários, dos homens progressistas, dos que lutam pelo povo e seus problemas.
Não podíamos esquecer neste triste contexto, a infância desvalida, desatendida; a infância da América sem futuro.
América, que é um continente de natalidade elevada, tem também uma mortalidade elevada. A mortalidade de crianças de menos de um ano em 11 países ascendia há poucos anos a 125 por 1 000, e em outros 17 países, a 90 crianças.
Em 102 países do mundo, pelo contrário, essa taxa atingia 51. Contudo, na América morrem tristemente, sem atenção, 74 crianças por cada 1 000 no primeiro ano de seu nascimento. Há países latino-americanos nos quais essa taxa atinge, em alguns lugares, 300 por 1 000; milhares e milhares de crianças até os sete anos morrem na América de doenças incríveis: diarréias, pneumonias, desnutrição, fome; milhares e milhares de outras doenças sem atenção nos hospitais, sem remédios; milhares e milhares perambulam, feridas de cretinismo endêmico, paludismo, tracoma e outros males produzidos pelas contaminações, a falta de água e outras necessidades.
Males dessa natureza são uma cadeia nos países americanos, nos quais agonizam milhares e milhares de crianças, filhos de párias, filhos de pobres e de pequeno-burgueses com vida dura e meios precários. Os dados, que serão redundantes, são para se arrepiar. Qualquer publicação oficial dos organismos internacionais os reúne por centenas.
Nas questões educacionais, indigna pensar sobre o nível de incultura que padece esta América. Enquanto os Estados Unidos conseguem um nível de oito e nove anos de escolaridade na população de 19 anos de idade em diante, América Latina, pilhada e esgotada por eles, tem menos de um ano escolar aprovado como nível, nessas mesmas idades. E indigna mais ainda quando sabemos que das crianças entre 5 e 14 anos somente estão matriculadas nalguns países 20%, e nos de mais alto nível 60%. Quer dizer que mais da metade da infância da América Latina não assiste à escola. Mas a dor segue crescendo quando verificamos que a matrícula das três primeiras séries abrangem mais de 80% dos matriculados; e que na sexta série, a matrícula flutua apenas entre 6 e 22 alunos por cada 100 que começaram na primeira série. Até nos países que acreditam ter atendido sua infância, essa percentagem de perda escolar entre a primeira e a sexta série é de 73% como média. Em Cuba, antes da Revolução, era de 74%. Na Colômbia da “democracia representativa” é de 78%. E observa-se que no campo apenas 1% das crianças chega, no melhor dos casos, à quinta série.
Quando é investigado este desastre de absentismo escolar, uma causa o explica: a economia de miséria, falta de escolas, falta de professores, falta de recursos familiares, trabalho infantil; ou seja, o imperialismo e sua obra de opressão e atraso.
O resumo deste pesadelo que viveu América, de um extremo a outro, é que neste continente de quase 200 milhões de seres humanos, formado em suas duas terceiras partes pelos indígenas, mestiços e negros, pelos “discriminados”, neste continente de semicolônias, morrem de fome, de doenças curáveis ou de velhice prematura, ao redor de quatro pessoas por minuto, 5 500 por dia, 2 milhões por ano, 10 milhões cada cinco anos. Essas mortes poderiam ser evitadas facilmente, contudo, acontecem. As duas terceiras partes da população latino-americana vive pouco e vive com a permanente ameaça de morte. Holocausto de vidas que em 15 anos tem ocasionado duas vezes mais mortes do que a guerra de 1914, e continua. Enquanto, da América Latina flui para os Estados Unidos um torrente continuo de dinheiro: uns 4 000 dólares por minuto, 5 milhões por dia, 2 000 milhões por ano, 10 000 milhões cada cinco anos. Por cada 1 000 dólares que fogem, fica-nos um morto. Mil dólares por morto: esse é o preço daquilo que se chama imperialismo! Mil dólares por morto, quatro vezes por minuto!
Mas apesar desta realidade americana, para que se reuniram em Punta del Este? Acaso para levar uma sola gota de alívio a estes males? Não!
Os povos sabem que em Punta del Este, os chanceleres que expulsaram a Cuba se reuniram para renunciar à soberania nacional; que ali o governo dos Estados Unidos foi sentar as bases não só para a agressão a Cuba, mas para intervir em qualquer país da América contra o movimento libertador dos povos; que os Estados Unidos preparam para a América Latina um drama sangrento; que as oligarquias exploradoras, o mesmo que agora renunciam ao princípio da soberania, não hesitarão em solicitar a intervenção das tropas ianques contra seus próprios povos, e que com esse fim a delegação norte-americana propôs um comitê de vigilância contra a subversão na Junta Interamericana de Defesa, com faculdades executivas, e a adoção de medidas coletivas. Subversão para os imperialistas ianques é a luta dos povos famintos pelo pão, a luta dos povos contra a exploração imperialista. Comitê de vigilância na Junta Interamericana de Defesa com faculdades executivas, significa força de repressão continental contra os povos às ordens do Pentágono. Medidas coletivas significam desembarques de infantes de marinha ianques em qualquer país da América.
Perante à acusação de que Cuba quer exportar sua revolução, respondemos: as revoluções não se exportam, fazem-nas os povos (APLAUSOS). O que Cuba pode dar aos povos, e já deu, é seu exemplo (APLAUSOS).
E o quê ensina a Revolução Cubana? Que a revolução é possível, que os povos podem fazê-la (APLAUSOS), que no mundo contemporâneo não há forças capazes de impedir o movimento de libertação dos povos.
Nosso triunfo não teria sido jamais viável se a própria revolução não tivesse estado inexoravelmente destinada a surgir das condições existentes em nossa realidade econômico-social, realidade que existe em maior grau ainda em um bom número de países da América Latina.
Acontece inevitavelmente que nas nações onde é mais forte o controle dos monopólios ianques, mais despiedosa é a exploração da oligarquia e mais insuportável a situação das massas operárias e camponesas, o poder político mostra-se mais ferrenho, os estados de sítio se tornam habituais, reprime-se pela força toda manifestação de descontentamento popular, e o curso democrático se fecha por completo, revelando-se com mais evidência que nunca o caráter de brutal ditadura que assume o poder das classes dominantes. É então quando se faz inevitável o estalido revolucionário dos povos.
E se bem é certo que nos países subdesenvolvidos da América a classe operária é, em geral, relativamente pequena, há uma classe social que, pelas condições desumanas em que vive, constitui uma força potencial que, dirigida pelos operários e pelos intelectuais revolucionários, tem uma importância decisiva na luta pela liberação nacional: os camponeses (APLAUSOS).
Em nossos países se juntam as circunstâncias de uma indústria subdesenvolvida com um regime agrário de caráter feudal. É por isso que apesar das duras condições de vida dos operários urbanos, a população rural vive em piores condições de opressão e exploração; mas é também, salvo exceções, o setor absolutamente majoritário em proporções que às vezes ultrapassa 70% das populações latino-americanas.
Descontando os latifundiários, que muitas vezes moram nas cidades, o resto dessa grande massa procura seu sustento trabalhando como piões nas fazendas, por salários misérrimos, ou trabalham a terra em condições de exploração que nada têm que invejar à Idade Média. Essas circunstâncias são as que determinam que na América Latina a população pobre do campo constitua uma força revolucionária potencial tremenda.
Os exércitos, estruturados e equipados para a guerra convencional, que são a força em que se sustenta o poder das classes exploradoras, quando têm que enfrentar-se à luta irregular dos camponeses no cenário natural destes, resultam absolutamente impotentes; perdem 10 homens por cada combatente revolucionário que morre, e a desmoralização multiplica-se rapidamente neles ao ter que encarar um inimigo visível e invencível que não lhe dá a oportunidade de mostrar suas táticas de academia e suas fanfarrices de guerra, das que tanto alarde fazem para reprimir os operários e os estudantes nas cidades.
A luta inicial de reduzidos núcleos combatentes, nutre-se incessantemente de novas forças, o movimento de massas começa a se desatar, a velha ordem se divide pouco a pouco em 1 000 pedaços, e é então o momento em que a classe operária e as massas urbanas decidem a batalha.
O quê é o que desde o próprio início da luta desses primeiros núcleos os torna invencíveis, independentemente do número, o poder e os recursos dos seus inimigos? O apoio do povo. E com esse apoio das massas contarão cada vez mais.
Mas o campesinato é uma classe que, pelo estado de incultura em que o mantém o isolamento em que vive, necessita a direção revolucionária e política da classe operária e dos intelectuais revolucionários, sem a qual não poderia por si só lançar-se à luta e conquistar a vitória (APLAUSOS).
Nas atuais condições históricas da América Latina, a burguesia nacional não pode encabeçar a luta anti-feudal e antiimperialista. A experiência demonstra que, nas nossas nações, essa classe, ainda quando seus interesses são contraditórios com os do imperialismo ianque, tem sido incapaz de encará-lo, paralisada pelo medo à revolução social e assustada pelo clamor das massas exploradas. Perante o dilema imperialismo ou revolução, só suas camadas mais progressistas estarão junto do povo.
A atual correlação mundial de forças, e o movimento universal de libertação dos povos coloniais e dependentes, mostram à classe operária e aos intelectuais revolucionários da América Latina seu verdadeiro papel, que é colocar-se resolutamente à vanguarda da luta contra o imperialismo e o feudalismo (APLAUSOS).
O imperialismo, utilizando os grandes monopólios cinematográficos, suas agências de informação, suas revistas, livros e jornais reacionários, acode às mentiras mais subtis para semear o divisionismo, e inculcar entre as pessoas mais ignorantes o medo e a superstição às idéias revolucionárias, que só aos interesses dos poderosos exploradores e aos seus seculares privilégios podem e devem assustar.
O divisionismo —produto de toda classe de prejuízos, idéias falsas e mentiras—, o sectarismo, o dogmatismo, a falta de amplitude para analisar o papel que corresponde a cada camada social, a seus partidos, organizações e dirigentes, dificultam a unidade de ação imprescindível entre as forças democráticas e progressistas dos nossos povos. São vícios de crescimento, doenças da infância do movimento revolucionário que devem ficar atrás. Na luta antiimperialista e anti-feudal é possível juntar a imensa maioria do povo trás metas de libertação que juntem o esforço da classe operária, os camponeses, os trabalhadores intelectuais, a pequena burguesia e as camadas mais progressistas da burguesia nacional. Esses setores compreendem a imensa maioria da população, e aglutinam grandes forças sociais capazes de varrer o domínio imperialista e a reação feudal. Nesse amplo movimento podem e devem lutar juntos, pelo bem-estar das suas nações, pelo bem-estar dos seus povos e pelo bem-estar da América, desde o velho militante marxista, até o católico sincero que não tenha nada a ver com os monopólios ianques e os senhores feudais da terra (APLAUSOS).
Esse movimento poderia arrastar consigo os elementos progressistas das forças armadas, humilhados também pelas missões militares ianques, a traição aos interesses nacionais das oligarquias feudais e a imolação da soberania nacional aos ditados de Washington.
Ali onde estão fechados os caminhos dos povos, onde a repressão dos operários e camponeses é feroz, onde é mais forte o domínio dos monopólios ianques, o primeiro e mais importantes é compreender que não é justo nem é correto entreter os povos com a vã e acomodatícia ilusão de arrancar, por vias legais que não existem nem existirão, às classes dominantes, abrigadas em todas as posições do Estado, monopolizadoras da instrução, donas de todos os meios de divulgação e possuidoras de infinitos recursos financeiros, um poder que os monopólios e as oligarquias defenderão a sangue e fogo com a força dos seus polícias e dos seus exércitos.
O dever de todo revolucionário é fazer a revolução (APLAUSOS). Sabe-se que na América e no mundo a revolução vencerá, mas não é de revolucionários sentar-se à porta da sua casa para ver passar o cadáver do imperialismo (APLAUSOS). O papel de Job não está em correspondência com o papel de um revolucionário. Cada ano que se acelera a libertação da América, significará milhões de crianças que se salvem para a vida, milhões de inteligências que se salvem para a cultura, infinitos caudais de dor que se poupariam os povos. Apesar que os imperialistas ianques preparem para América um drama de sangue, não conseguirão esmagar a luta dos povos, concitarão contra eles o ódio universal, e será também o drama que marque o ocaso do seu voraz e cavernícola sistema (APLAUSOS).
Nenhum povo da América Latina é fraco, porque faz parte de uma família de
200 milhões de irmãos que padecem as mesmas misérias, albergam os mesmos sentimentos, têm o mesmo inimigo, sonham todos um melhor destino, e contam com a solidariedade de todos os homens e mulheres honrados do mundo inteiro (APLAUSOS).
Com o grande que foi a epopéia da independência da América Latina, com o heróica que foi aquela luta, à geração de latino-americanos de hoje lhes coube uma epopéia maior e mais decisiva ainda para a humanidade. Porque aquela luta foi para se librar do poder colonial espanhol, de uma Espanha decadente, invadida pelos exércitos de Napoleão. Hoje lhes coube a luta de libertação face à metrópole imperial mais poderosa do mundo, face à força mais importante do sistema imperialista mundial, e para lhe prestar à humanidade um serviço ainda maior do que lhe prestaram nossos antepassados.
Mas esta luta, mais do que aquela, será feita pelas massas, pelos povos (APLAUSOS); os povos vão ter um papel muito mais importante que naquela época; os homens, os dirigentes, importam e importarão nesta luta menos do que importaram naquela.
Esta epopéia que temos daqui em diante vai ser escrita pelas massas famintas de indígenas, de camponeses sem terra, de operários explorados; vai ser escrita pelas massas progressistas, pelos intelectuais honestos e brilhantes que tanto abundam nas nossas sofridas terras da América Latina (APLAUSOS). Luta de massas e de idéias; epopéia que levarão adiante nossos povos maltratados e desprezados pelo imperialismo, nossos povos desconhecidos até hoje, que já lhe começam a tirar o sono. Considerava-nos rebanho impotente e submetido, e já começa a se assustar desse rebanho; rebanho gigante de 200 milhões de latino-americanos nos que adverte já os seus coveiros o capital monopolista ianque (APLAUSOS).
Com esta humanidade trabalhadora, com esses explorados desumanos, paupérrimos, manejados pelos métodos de chicote e capanga, não se tem contado ou se tem contado pouco. Desde os albores da independência seus destinos têm sido os mesmos: indígenas, gaúchos, mestiços, zambos, crioulos, brancos sem bens nem rendas, toda essa massa humana que se formou nas fileiras da “pátria” que nunca desfrutou, que morreu por milhões, que foi despedaçada, que ganhou a independência de sua metrópole para a burguesia; essa, que foi desterrada dos bairros, continuou ocupando o último lugar dos benefícios sociais, continuou morrendo de fome, de doenças curáveis, de desatenção, porque para ela nunca alcançaram os bens salvadores: o simples pão, o leito de um hospital, o remédio que salva, a mão que ajuda.
Mas na hora de sua reivindicação, na hora que ela mesma se tem elegido, vêm apontando com precisão agora também de um extremo a outro do continente. Agora, esta massa anônima, esta América de cor, sombria, taciturna, que canta em todo o continente com uma mesma tristeza e desengano, agora esta massa é a que começa a entrar definitivamente em sua própria história, começa a escrevê-la com seu sangue, começa a sofrer e a morrer. Porque agora, pelos campos e pelas montanhas da América, pelas faldas das suas serras, por suas planícies e suas florestas, entre a solidão, ou no tráfico das cidades, ou nas costas dos grandes oceanos e rios, começa a estremecer-se este mundo cheio de razões, com os punhos quentes de desejos de morrer pelo que é dele, de conquistar seus direitos quase 500 anos burlados por uns e por outros. Agora, a história terá que contar com os pobres da América, com os explorados e vilipendiados da América Latina, que têm decidido começar a escrever eles próprios, para sempre, sua história (APLAUSOS). Vê-se-lhes pelos caminhos, um dia e outro, a pé, em marchas sem fim, de centenas de quilômetros, para chegar até os “olimpos” governantes a reclamar seus direitos. Já se lhes vê, armados de pedras, de paus, de machados, de um lado e de outro, cada dia, ocupando as terras, fincando seus ganchos na terra que lhes pertence e defendendo-a com sua vida; vê-se-lhes levando seus cartazes, suas bandeiras, suas consignas, fazendo com que corram no vento por entre as montanhas ou nas planícies. E essa onda de estremecido rancor, de justiças reclamada, de direito esmagado que se começa a levantar por entre as terras da América Latina, essa onda já não irá parar mais. Essa onda irá crescendo cada dia que passar, porque essa onda a formam a maioria, a maioria em todos os aspectos, os que acumulam com seu trabalho as riquezas, criam os valores, fazem andar as rodas da história, e que agora acordam do longo sono brutal em que foram submetidos.
Porque esta grande humanidade disse “Basta!” e começou a andar. E sua marcha de gigantes já não se irá deter até conquistar a verdadeira independência, pela que já morreram mais de uma vez inutilmente (APLAUSOS). Agora, em todo caso, os que morram, morrerão como os que morrem em Cuba, os de Praia Girón, morrerão por sua única, verdadeira, irrenunciável independência! (APLAUSOS PROLONGADOS.)
Pátria ou Morte!
Venceremos!
O povo de Cuba
Havana, Cuba,
Território livre da América,
Fevereiro 4 de 1962
A Assembléia Geral Nacional do Povo de Cuba resolve que esta Declaração seja conhecida como Segunda Declaração de Havana, traduzida aos principais idiomas e distribuída em todo o mundo. Acorda, também, solicitar de todos os amigos da Revolução Cubana na América Latina que seja difundida amplamente entre as massas operárias, camponesas, estudantis e intelectuais dos povos irmãos deste continente (APLAUSOS).
É submetida à aprovação do povo esta Declaração e solicita-se que todos os cidadãos que estiverem de acordo levantem a mão.
(A multidão levanta as mãos com uma ovação prolongada e cantam o hino nacional cubano e a internacional).
Fica aprovada pelo povo de Cuba a Segunda Declaração de Havana, e conclui esta Assembléia.
Pátria ou Morte!
Venceremos!
(OVAÇÃO)