Discursos e Intervenciones

DISCURSO PRONUNCIADO PELO COMANDANTE-EM-CHEFE FIDEL CASTRO RUZ PRESIDENTE DOS CONSELHOS DE ESTADO E DE MINISTROS E PRESIDENTE DO MOVIMENTO DE PAÍSES NÃO ALINHADOS, PERANTE O XXXIV PERÍODO DE SESSÕES DA ASSEMBLEIA-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, REALIZADO EM NOVA IORQUE, A 12 DE OUTUBRO DE 1979.

Fecha: 

12/10/1979

Bem estimado Senhor Presidente;

 

Distintos representantes da comunidade mundial:

 

 

Não vim falar de Cuba. Não venho expor no seio desta Assembleia a denúncia das agressões de que tem sido vítima nosso pequeno, porém digno país durante 20 anos. Também não venho ferir com adjetivos desnecessários ao vizinho poderoso em sua própria casa.

 

Trazemos o mandato da Sexta Conferência de Chefes de Estado ou de Governo do Movimento dos Países Não Alinhados, para apresentar perante as Nações Unidas o resultado de suas deliberações e as posições que delas se derivam.

 

Somos 95 países de todos os continentes, que representam a imensa maioria da humanidade. Une-nos a determinação de defender a colaboração entre nossos países, o livre desenvolvimento nacional e social, a soberania, a segurança, a igualdade e a livre determinação. Estamos associados no empenho por mudar o atual sistema de relações internacionais, baseado na injustiça, a desigualdade e a opressão. Atuamos em política internacional como um fator global independente.

 

Reunido em Havana, o Movimento acaba de reafirmar seus princípios e confirmar seus objetivos.

 

Os Países Não Alinhados insistimos em que é necessário eliminar a abissal desigualdade que afasta os países desenvolvidos e aos países em vias de desenvolvimento. Por isso lutamos para suprimir a pobreza, a fome, a doença e o analfabetismo que padecem ainda centenas de milhões de seres humanos. Aspiramos a uma nova ordem mundial, baseada na justiça, na equidade e na paz, que substitua o sistema injusto e desigual que hoje prevalece, em que, segundo foi proclamado na Declaração de Havana, "a riqueza continua concentrada nas mãos de umas poucas potências cujas economias, fundadas na dilapidação, são mantidas graças à exploração dos trabalhadores e à transferência e à pilhagem dos recursos naturais e outros recursos dos povos da África, América Latina, Ásia e demais regiões do mundo".

 

Entre os problemas que a Assembleia-Geral deverá debater neste período de sessões, a paz figura no primeiro lugar das preocupações. A procura da paz constitui também uma aspiração do Movimento de Países Não Alinhados e tem sido objeto de sua atenção na Sexta Conferência. Porém, a paz para nossos países, resulta indivisível. Queremos uma paz que beneficie por igual aos grandes e aos pequenos, aos poderosos e aos fracos, que abranja todos os âmbitos do mundo e chegue a todos seus cidadãos.

 

Desde sua própria fundação, os Países Não Alinhados consideram que os princípios da coexistência pacífica devem ser a pedra angular das relações internacionais, constituem a base do fortalecimento da paz e da segurança internacional, da redução do acanhamento e da extensão desse processo a todas as regiões do mundo e a todos os aspectos das relações, e devem ser aplicados universalmente nas relações entre os Estados. Mas, ao mesmo tempo, a Sexta Reunião de Cúpula considerou que esses princípios da coexistência pacífica incluem também o direito dos povos sob a dominação estrangeira e colonial à livre determinação, à independência, a soberania, a integridade territorial dos Estados, o direito de cada país a pôr término à ocupação estrangeira, à aquisição de territórios pela força e a escolher seu próprio sistema social, político e econômico.

 

Só assim a coexistência pacífica poderá ser a base de todas as relações internacionais.

 

Não é possível negá-lo. Quando se analisa a estrutura do mundo contemporâneo se comprova que esses direitos dos nossos povos não estejam ainda garantidos. Os Países Não Alinhados sabemos bem quais são nossos inimigos históricos, donde vêm as ameaças e como devemos combate-las. Por isso, acordamos em Havana reafirmar que:

 

"A quinta-essência da política do não alinhamento, em conformidade com seus princípios originais e caráter fundamental, leva consigo a luta contra o imperialismo, o colonialismo, o neocolonialismo, o apartheid, o racismo incluído o sionismo e qualquer forma de agressão, ocupação, dominação, ingerência ou hegemonia estrangeiras, assim como a luta contra as políticas de grande potência ou de blocos".

 

Assim se compreende que também a Declaração de Havana associou a luta pela paz com "o apoio político, moral e material aos movimentos de libertação nacional e à realização de ações conjuntas para eliminar a dominação colonial e a discriminação racial".

 

Os Países Não Alinhados sempre concedemos grande importância à possibilidade e à necessidade da distensão entre as grandes potências. Daí que a Sexta Conferência assinalasse, com grande preocupação, o fato de que depois da Cúpula de Colombo se tenha produzido uma certa estagnação no processo desta distensão, que também tem continuado sendo limitado, "tanto em seu alcance como geograficamente".

 

Partindo dessa preocupação, os Países Não Alinhados —que fizeram do desarmamento e da desnuclearização um dos objetivos permanentes e mais destacados de sua luta, e tiveram a iniciativa na convocatória do Décimo Período Extraordinário de Sessões da Assembleia-Geral sobre o Desarmamento— examinaram em sua Conferência os resultados das negociações sobre as armas estratégicas e os acordos denominados SALT-II. Consideram que esses acordos constituem um passo importante nas negociações entre as duas principais potências nucleares e que poderiam desembaraçar o caminho para as negociações mais amplas que conduzissem ao desarmamento geral e à diminuição das tensões. Mas, para os Não Alinhados esses tratados não são mais do que uma parte do avanço rumo à paz. Embora as negociações entre as grandes potências constituíssem um elemento decisivo no processo, os Não Alinhados reiteraram mais uma vez que o empenho por consolidar a distensão, por estendê-la a todas partes do mundo e por evitar a ameaça nuclear, a acumulação de armamentos e, afinal, a guerra, é uma tarefa em que todos os povos devem participar e exercer sua responsabilidade.

 

Senhor Presidente:

 

Na base da concepção da universalidade da paz, e da necessidade de associar a busca da paz, estendida a todos os países, com a luta pela independência nacional, a plena soberania e a igualdade entre os Estados, os Chefes de Estado ou de Governo que nos reunimos na Sexta Conferência de Havana dedicamos nossa atenção aos problemas mais prementes na África, Ásia, América Latina e noutras regiões. Resulta importante sublinhar que partíamos de uma posição independente e não vinculada a políticas que possam derivar da contradição entre as grandes potências. Se apesar desse enfoque, objetivo e não comprometido, a revisão dos acontecimentos internacionais se transforma em um anátema contra os sustentadores do imperialismo e do colonialismo, isso não faz mais do que refletir a essencial realidade do mundo contemporâneo.

 

Desse jeito, ao iniciar sua análise da situação na África, e depois de constatar o avanço registrado na luta dos povos africanos por sua emancipação, os Chefes de Estado ou de Governo salientaram, como problema fundamental da região, a necessidade de erradicar do continente, e em especial da África Meridional, o colonialismo, o racismo, a discriminação racial e o apartheid.

 

Foi indispensável sublinhar que as potências colonialistas e imperialistas continuavam em suas políticas agressivas com o propósito de perpetuar, recuperar ou alargar sua dominação e exploração das Nações Africanas.

 

Não é outra a dramática situação da África. Os Países Não Alinhados não podiam deixar de condenar os ataques a Moçambique, Zâmbia, Angola, Botswana, as ameaças a Lesoto, as tentativas de desestabilização permanentes naquela zona, o papel dos regimes racistas de Rodésia e da África do Sul. A necessidade de atingir, em prazo peremptório, a plena libertação de Zimbabwe e de Namíbia, não é apenas uma causa dos Países Não Alinhados ou das forças mais progressistas de nossa época, mas constitui já acordos da comunidade internacional, através das Nações Unidas, e implica deveres que são incontornáveis e cuja infração supõe também a necessidade de uma denúncia internacional. Por isso, quando os Chefes de Estado ou de Governo aprovaram na Declaração Final condenar por seus nomes a um grupo de países ocidentais, e em primeiro lugar aos Estados Unidos da América, por sua colaboração direta e indireta na manutenção da opressão racista e da criminosa política da África do Sul e, em câmbio, reconheceram o papel realizado pelos Países Não Alinhados, as Nações Unidas, a Organização da Unidade Africana, os países socialistas e os países escandinavos e outras forças democráticas e progressistas em apoio à luta dos povos da África, não há nisto a menor manifestação de inclinação ideológica, é simplesmente a expressão fiel da realidade objetiva. Condenar a África do Sul sem mencionar àqueles que tornam possível sua criminal política teria sido incompreensível.

 

 

Da Sexta Conferência de Cúpula surge, com mais força e mais urgência que nunca, a necessidade de terminar com uma situação em que não apenas está envolvido o direito dos povos de Zimbabwe e Namíbia a sua independência e o requerimento inadiável de que os homens e mulheres negros da África do Sul atinjam um status em, que sejam considerados como seres humanos iguais e respeitados, senão que também se assegurem as condições de respeito e paz para todos os países da região.

 

O apoio continuado aos Movimentos de libertação nacional, à Frente Patriótica e à SWAPO, foi uma decisão tão unânime como prevista. E não se trata aqui —digamo-lo bem— de expressar uma preferência unilateral pelas soluções através da luta armada. Verdade é que a Conferência encomiou o povo da Namíbia e à SWAPO, sua autêntica e única representação, por ter intensificado a luta armada e avançar nela, e solicitou um apoio total e eficaz para essa forma de combate. Mas isso se deve a que os racistas sul-africanos têm fechado todo caminho de verdadeira negociação e a que as tentativas de soluções negociadas não passaram de ser meras estratagemas.

 

A atitude diante das decisões da Commonwealth em suas reuniões de Lusaka, no passado agosto, orientadas a convocar uma conferência pelo Governo britânico como autoridade na Rodésia do Sul, para discutir os problemas de Zimbabwe, serviu para confirmar que os Países Não Alinhados não se opõem a soluções que possam ser alcançadas sem a luta armada, sempre que delas possa surgir um autêntico governo da maioria e nelas se consiga a independência em forma que satisfaça os povos combatentes, e que isto seja feito conforme às resoluções de organismos como a OUA, as Nações Unidas e os nossos Países Não Alinhados.

 

 

Senhor Presidente:

 

A Sexta Reunião de Cúpula teve que lamentar mais uma vez que a Resolução 1514 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, sobre a concessão de independência aos países e povos coloniais, não tenha sido aplicada no Saara Ocidental. Devemos lembrar que as decisões dos Países Não Alinhados e Resoluções das Nações Unidas, como especialmente a 3331 da Assembleia-Geral, têm reafirmado o direito inalienável do povo do Saara Ocidental à livre determinação e à independência. Neste problema Cuba sente uma especial responsabilidade pelo fato de ter sido membro da Comissão das Nações Unidas que realizou as investigações sobre o Saara Ocidental, o que permitiu à nossa representação comprovar a total decisão do povo saharaui em favor da autodeterminação e da independência. Reiteramos aqui, que a posição dos Países Não Alinhados não é uma posição de antagonismo para nenhum país. Na saudação ao acordo entre a República da Mauritânia e a Frente POLISÁRIO e à decisão da Mauritânia de retirar suas forças do território do Saara Ocidental, e no fato de deplorar a extensão da ocupação armada por Marrocos da parte meridional do Saara Ocidental, anteriormente administrada por Mauritânia, não deve ver-se outra coisa do que a aplicação dos nossos princípios e dos acordos das Nações Unidas. Por isso a Conferência expressou sua esperança de que o Comitê ad hoc da OUA, constituído na XVI Reunião de Cúpula da Organização Africana, permitiria garantir que o povo do Saara exercesse seu direito à livre determinação e à independência no prazo mais breve possível.

 

 

O mesmo princípio e a mesma posição determinaram os acordos sobre Mayotte e as ilhas do Arquipélago Malgaxe e seu necessário reintegro respectivo a Comores e a Madagáscar.

 

Senhor Presidente:

 

Não há dúvidas de que o problema do Oriente Médio se tem convertido em uma das situações mais preocupantes na atualidade contemporânea. A Sexta Reunião de Cúpula o examinou em sua dupla dimensão.

 

De uma parte, a Conferência reafirmou que a determinação de Israel de continuar sua política de agressão, expansionismo e assentamento colonial nos territórios que tem ocupado, com o apoio dos Estados Unidos, constitui uma séria ameaça à paz e à segurança mundial.

 

Ao mesmo tempo, a Conferência examinou o problema do ponto de vista dos direitos dos países árabes e da questão palestina.

 

Para os Países Não Alinhados, a questão de Palestina é a medula do problema do Oriente Médio. Ambos conformam um tudo integral, que não pode ser solucionado separadamente.

 

A base da paz justa na região começa pela retirada total e incondicional de Israel de todos os territórios árabes ocupados e supõe para o povo palestino a devolução de todos seus territórios ocupados e a recuperação de seus direitos nacionais inalienáveis, incluído o direito do retorno a sua pátria, à livre determinação e ao estabelecimento de um Estado independente em Palestina, em conformidade com a Resolução 3236 da Assembleia-Geral. Isso implica a ilegalidade e nulidade das medidas adoptadas por Israel nos territórios palestinos e árabes ocupados, assim como do estabelecimento de colônias ou assentamentos em terras palestinas e nos demais territórios árabes, cujo desmantelamento imediato é um requisito para a solução do problema.

 

Como disse em meu discurso à Sexta Reunião de Cúpula "...não somos fanáticos. O Movimento revolucionário se educou sempre no ódio à discriminação racial e os pogroms de qualquer tipo, e desde o fundo de nossas almas, repudiamos com todas nossas forças a despiedosa perseguição e o genocídio que em seu tempo desatou o nazismo contra o povo hebreu. Mas não posso lembrar nada mais parecido em nossa história contemporânea que o desalojo, perseguição e genocídio que hoje realizam o imperialismo e o sionismo contra o povo palestino. Despojados de suas terras, expulsados de sua própria pátria, espalhados pelo mundo, perseguidos e assassinados, os heróicos palestinos constituem um exemplo impressionante de abnegação e patriotismo, e são o símbolo vivo do crime mais grande de nossa época" (APLAUSOS).

 

Alguém pode maravilhar-se de que a Conferência fosse obrigada, por razões que não surgem de nenhum prejuízo político mas da análise objetiva dos fatos, a assinalar que a política dos Estados Unidos desempenha um papel fundamental para impedir o estabelecimento de uma paz justa e completa na região ao alinhar-se com Israel, apoiá-lo e trabalhar por obter soluções parciais favoráveis aos objetivos sionistas e garantir os frutos da agressão israelita às custas do povo árabe da Palestina e de toda a nação árabe?

 

Os fatos e só os fatos conduziram a Conferência a condenar a política e as manobras estadunidenses na região.

Quando os Chefes de Estado ou de Governo chegaram ao consenso em que foram condenados os acordos de Camp David e o Tratado Egito-Israel de março de 1979, detrás dessas formulações estavam longas horas de exame atento e de proveitosos intercâmbios que lhe permitiram à Conferência considerar esses tratados, não apenas como um abandono total da causa dos países árabes mas também como um ato de cumplicidade com a ocupação continuada dos territórios árabes. Os qualificativos são duros, porém verazes e justos. Não é o povo do Egito que ficou submetido ao julgamento dos órgãos do Movimento. O povo egípcio tem o respeito de cada um dos nossos países e a solidariedade de todos nossos povos. As mesmas vozes que se levantaram para denunciar os acordos de Camp David e o Tratado egípcio-israelita fizeram o elogio de Gamal Abdel Nasser, fundador do Movimento e portador das tradições combativas da nação árabe. Ninguém desconhecera nem desconhecerá o papel histórico do Egito na cultura e no desenvolvimento árabe, nem seus méritos como fundador e impulsor dos Países Não Alinhados.

 

Os problemas do Sudeste Asiático ocuparam, igualmente, a atenção da Conferência. Os crescentes conflitos e as tensões que aconteceram ali constituem uma ameaça à paz que é necessário evitar.

 

Preocupações similares expressou a Sexta Cúpula em torno à situação do Oceano Índico. A Declaração, aprovada há oito anos pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, desta área como zona de paz, não conseguiu seus objetivos. A presença militar não se reduz nessa zona, mas se incrementa. As bases militares se estendem agora até África do Sul e servem adicionalmente para a vigilância contra os Movimentos Africanos de libertação. As conversações entre os Estados Unidos e a União Soviética continuam em suspenso, apesar dos acordos recentes entre ambos países para discutir seu reinício. De tudo isso surgiu o convite da Sexta Reunião de Cúpula a todos os Estados interessados, a trabalhar de maneira efetiva pelos objetivos da Declaração do Oceano Índico como zona de paz.

 

A Sexta Conferência analisou outros problemas de interesse regional e mundial, como os que se referem à segurança e à cooperação em Europa; o problema do Mediterrâneo, as tensões que ali subsistem, incrementadas agora, como consequência da política agressiva de Israel e o apoio que prestam à mesma certas potências imperialistas.

 

Examinou a situação de Chipre, ocupada ainda parcialmente por tropas estrangeiras, e Coreia, ainda dividida, apesar da vontade do povo coreano de uma reunificação pacífica de sua pátria, o que fez com que os Países Não Alinhados reafirmassem e ampliassem resoluções solidárias dirigidas à realização das aspirações de ambos povos.

 

Seria impossível fazer referência a todas as decisões políticas da Sexta Reunião de Cúpula. Fazê-lo nos impediria abordar o que consideramos um dos aspectos mais fundamentais de nossa Sexta Cúpula: sua projeção econômica, o clamor dos povos em vias de desenvolvimento, fartos já de seu atraso e do padecimento que esse atraso origina. Cuba, como país sede, entregará a todos os países membros da comunidade internacional a Declaração Final e as resoluções adicionais da Conferência. Mas, permitam-me que, antes de passar a transmitir-lhes como vêem os Países Não Alinhados a situação econômica mundial, quais são suas demandas e quais suas esperanças, utilize ainda uns instantes para que vocês conheçam o enfoque da Declaração Final relativamente às questões latino-americanas do momento.

 

O fato de que a Sexta Reunião de Cúpula fosse realizada em um país latino-americano deu oportunidade aos Chefes de Estado ou de Governo ali reunidos para recordar que os povos daquela região iniciaram seus esforços pela independência nos primórdios do século XIX. Igualmente não esqueceram que, como se expressa na Declaração: "América Latina era uma das regiões do mundo que historicamente tinha sofrido mais pela agressão do imperialismo, o colonialismo e o neocolonialismo dos Estados Unidos e Europa". Aos participantes da Conferência lhes foi necessário ressaltar que ainda restam remanentes de colonialismo, neocolonialismo e opressão nacional naquela terra de luta. A Conferência, por isso, se pronunciou pela erradicação do colonialismo em todas suas formas e manifestações, condenou a existência de bases militares na América Latina e no Caribe, como as de Cuba e Porto Rico e exigiu, mais uma vez, que a parte de seus territórios ocupada por aquelas bases contra a vontade de seus povos, lhes fosse devolvida pelo Governo dos Estados Unidos e as demais potências coloniais.

 

A experiência de outras áreas conduziu para que os Chefes de Estado ou de Governo rejeitassem e condenassem a tentativa de criar no Caribe uma chamada "Força de Segurança", mecanismo neocolonial incompatível com a soberania, a paz e a segurança dos países.

 

Ao solicitar a restituição à República Argentina das ilhas Malvinas, ao reiterar seu apoio ao direito inalienável do povo de Belize a sua livre determinação, independência e integridade territorial, a Conferência corroborou de novo aquilo que sua Declaração definiu como a quinta-essência do não alinhamento. Comprovou, comprazida, o fato de que a partir de 1 de outubro entraram em vigor os tratados sobre o Canal de Panamá subscritos entre a República de Panamá e os Estados Unidos; deu pleno apoio a esses tratados, exigiu que os mesmos fossem respeitados em sua letra e em seu espírito, e fez um apelo a todos os Estados do mundo para que se aderissem ao protocolo do tratado concernente à neutralidade permanente do Canal de Panamá.

 

Os Chefes de Estado ou de Governo, apesar das pressões que foram exercidas, das ameaças e dos elogios, da obstinação do governo norte-americano ao exigir que os problemas de Porto Rico sejam considerados problemas internos dos Estados Unidos, reiteraram sua solidariedade com a luta do povo de Porto Rico e com seu inalienável direito à livre determinação de independência e integridade territorial e exortaram o Governo dos Estados Unidos de América a que se abstivesse de toda manobra política ou repressiva tendente a perpetuar a situação colonial daquele país (APLAUSOS).

 

Nenhuma homenagem mais digna do que esta às tradições libertadoras da América Latina e ao heróico povo porto-riquenho, que nestes próprios dias celebrou o "Grito de Lares" com que há quase 100 anos expressou sua indomável vocação de liberdade.

 

Ao referir-se à realidade latino-americana, os Chefes de Estado ou de Governo, que já tinham analisado a significação do processo libertador acontecido no Irão, não podiam deixar de referir-se à viragem revolucionária de Granada e à extraordinária vitória do povo da Nicarágua e de sua vanguarda, ao Frente Sandinista de Libertação Nacional (APLAUSOS), e destacar a enorme significação histórica que para os povos da América Latina e do mundo tem este fato. Também os Chefes de Estado ou de Governo salientaram uma coisa que vem constituir um novo fato nas relações latino-americanas e que serve de exemplo para outras regiões do mundo: a forma solidária e mancomunada em que agiram os governos de Panamá, Costa Rica e México, e os países do Pacto sub-regional Andino: Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, para conseguir a justa solução do problema nicaraguense, assim como a solidariedade que Cuba ofereceu historicamente à causa daquele povo.

 

Confesso que esses enfoques sobre a América Latina lhe teriam bastado ao povo cubano para justificar todos os esforços e desvelos que realizaram centenas de milhares de homens e mulheres do nosso país, no empenho de tornar possível que Cuba acolhesse dignamente aos países irmãos do Movimento Não Alinhado na Reunião de Cúpula de Havana. Mas para Cuba houve muito mais. Uma coisa que queremos agradecer aqui, na tribuna das Nações Unidas, em nome de nosso povo. Em Havana, o povo cubano recebeu o apoio a seu direito de escolher o sistema político e social que tem decidido, em sua reclamação do território que ocupa a Base de Guantánamo e na condenação ao bloqueio com que ainda o Governo estadunidense pretende isolar e sonha com destruir à Revolução Cubana (APLAUSOS).

 

Apreciamos em seu profundo sentido e em sua ressonância universal a denúncia que acaba de fazer o Movimento em Havana contra os atos de hostilidade, pressões e ameaças dos Estados Unidos para com Cuba, qualificando-os como uma flagrante violação da Carta das Nações Unidas e dos princípios do direito internacional, como uma ameaça à paz mundial. Mais uma vez respondemos aos nossos irmãos e garantimos à comunidade universal que Cuba continuará sendo fiel aos princípios da solidariedade internacional.

 

 

Senhor Presidente:

 

A história nos tem ensinado que o acesso à independência para um povo que se libera do sistema colonial ou neocolonial é, ao mesmo tempo, o último ato de uma longa luta e o primeiro de uma nova e difícil batalha. Porque a independência, a soberania e a liberdade dos nossos povos, aparentemente livres, continuam sendo ameaçadas pelo controle externo de seus recursos naturais, pela imposição financeira de organismos internacionais oficiais e pela precária situação de suas economias que lhes merma a plenitude soberana.

 

Por isso, no próprio início das suas análises dos problemas econômicos mundiais, os Chefes de Estado ou de Governo, de uma parte:

 

 

"Sublinharam solenemente mais uma vez a importância suprema que tinha o fato de consolidar a independência política mediante a emancipação econômica... e reiteraram que o sistema econômico internacional existente ia em contra dos interesses básicos dos países em desenvolvimento, era profundamente injusto e incompatível com o desenvolvimento dos Países Não Alinhados e outros países em desenvolvimento e não contribuía à eliminação dos males econômicos e sociais que afligiam a esses países..."

 

E, por outra parte, colocaram ênfase:

"Na missão histórica que o Movimento de Países Não Alinhados deveria desempenhar na luta por atingir a independência econômica e política de todos os países em desenvolvimento e dos povos; por exercer a soberania plena e permanente e o controle sobre seus recursos naturais e de todo o tipo sobre suas atividades econômicas; e por promover uma reestruturação a fundo mediante o estabelecimento da Nova Ordem Econômica Internacional".

Para concluir com estas palavras:

"A luta por eliminar a injustiça do sistema econômico internacional existente e estabelecer a Nova Ordem Econômica Internacional é parte integrante da luta do povo pela liberação política, econômica, cultural e social".

 

Não é necessário demonstrar aqui até que ponto o sistema econômico internacional existente, é profundamente injusto e incompatível com o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos. As cifras já estão tão popularizadas que são desnecessárias para nós. Discute-se se o número dos seres desnutridos do nosso planeta é apenas de 400 milhões ou voltou a ser de 450, segundo se consigna em certos documentos internacionais. Quatrocentos milhões de homens e mulheres esfomeados é já uma quantidade demasiado acusatória.

 

O que ninguém duvida é que todas as esperanças que se desdobraram perante os países em vias de desenvolvimento aparecem fracassadas e canceladas ao concluir este segundo decénio do desenvolvimento.

 

O Diretor-Geral do conselho da FAO reconheceu que "os progressos continuam sendo decepcionantemente lentos em relação com os objetivos de desenvolvimento a mais longo prazo acordados na Estratégia Internacional do Desenvolvimento, na Declaração no Programa de Ação sobre o Estabelecimento da Nova Ordem Econômica Internacional e na Resolução da Conferência Mundial da Alimentação e em várias conferências posteriores". Está longe de ter-se conseguido na produção agrícola e alimentar dos países em desenvolvimento, nestes últimos 10 anos, o modesto aumento médio anual de 4% que se colocou para resolver alguns dos problemas mais peremptórios da fome mundial e aproximar-nos a níveis ainda reduzidos de consumo. Como consequência disso, as importações de alimentos dos países em desenvolvimento, que constituem agora mesmo um elemento agravante de suas deficitárias balanças de pagamento, alcançarão logo, segundo a FAO, proporções tais que serão ingovernáveis. Face a isto, diminuem os compromissos oficiais de ajuda externa para a agricultura dos países em vias de desenvolvimento.

 

Este panorama não pode ser embelecido. Às vezes, em certos documentos oficiais se refletem os aumentos circunstanciais da produção agrícola em certas áreas do mundo subdesenvolvido, ou se destacam as elevações conjunturais dos preços de alguns artigos da agricultura. Mas se trata de avanços transitórios e de vantagens efémeras. As receitas por conceito de exportações agrícolas dos países em desenvolvimento continuam sendo instáveis e insuficientes em relação com suas necessidades de importação de alimentos, fertilizantes e outros insumos para elevar a própria produção. A produção de alimentos por habitante na África durante 1977 foi 11% menor do que 10 anos atrás.

 

Se na agricultura se perpetua o atraso, o processo de industrialização também não avança. E não pode avançar, porque para a maioria dos países desenvolvidos a industrialização dos países em desenvolvimento é vista como uma ameaça.

 

 

Em Lima, em 1975, a Conferência Mundial para a Industrialização nos propôs aos países em desenvolvimento a meta de chegar ao ano 2000 contribuindo com 25% de todas as manufaturas produzidas no mundo. Mas os progressos desde Lima até hoje são tão insignificantes, que se não forem aceites as medidas propostas pela Sexta Conferência de Cúpula e se não for levado à prática um programa urgente de retificações na política econômica da maioria dos países desenvolvidos, essa meta ficará também sem cumprir. Não chegamos ainda a produzir 9% da manufatura do mundo.

 

Nossa dependência se expressa, uma vez mais, no fato de que os países de Ásia, África e América Latina importamos 26,1% dos produtos manufaturados que entram no comércio internacional e exportamos apenas 6,3%.

 

Dir-se-á que existe um certo processo de expansão industrial, porém não se produz nem ao ritmo necessário nem nas indústrias chaves da economia industrial. A Conferência de Havana o assinalou. A redistribuição mundial da indústria, o chamado redesdobramento industrial, não pode consistir em uma nova confirmação das profundas desigualdades econômicas originadas na época colonial do século XIX. Então fomos condenados a sermos produtores de matérias-
-primas e produtos agrícolas baratos. Agora se deseja utilizar a mão-de-obra abundante e os salários de miséria dos países em vias de desenvolvimento para transferir-lhes as indústrias de menor tecnologia, de mais baixa produtividade e que mais contaminam o ambiente. Isso o rejeitamos terminantemente.

 

Os países desenvolvidos de economia de mercado absorbem hoje mais de 85% da produção manufatureira mundial, entre ela a produção industrial de mais alta tecnologia. Controlam também mais de 83% das exportações industriais. 26% dessas exportações vai para os países em vias de desenvolvimento, cujos mercados monopolizam. O mais grave dessa estrutura dependente é que aquilo que importamos, ou seja, não só os bens de capital, mas também os artigos de consumo, está elaborado conforme as exigências, as necessidades e a tecnologia dos países de maior desenvolvimento industrial e os padrões da sociedade de consumo, que desse modo se introduz pelos resquícios de nosso comércio, infecta nossas próprias sociedades e acrescenta assim um novo elemento à já permanente crise estrutural.

 

Como resultado de tudo isso, segundo foi constatado pelos Chefes de Estado ou de Governo em Havana, a fenda existente entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento não só subsistem, mas que se tem ampliado substancialmente. A participação relativa dos países em desenvolvimento na produção mundial descendeu consideravelmente durante as duas últimas décadas, o que tem consequências ainda mais desastrosas em fenômenos como a mal nutrição, o analfabetismo e a insalubridade.

 

Alguns gostariam resolver o trágico problema da humanidade com drásticas medidas para reduzir a população. Lembram que a guerra e as epidemias ajudaram a reduzi-la em outras épocas. Pretendem ainda mais, querem atribuir o subdesenvolvimento à explosão demográfica.

 

Mas a explosão demográfica não é a causa, mas a consequência do subdesenvolvimento. O desenvolvimento atuará ao mesmo tempo trazendo soluções para a pobreza e contribuindo, através da educação e a cultura, a que nossos países consigam taxas de crescimento racionais e adequadas.

 

Em um recente relatório do Banco Mundial se assinala uma mais grave perspectiva. É possível —se diz— que ao chegar o ano 2000 existam 600 milhões de habitantes desta Terra que continuem em absoluta pobreza.

 

 

Senhor Presidente, senhores representantes:

 

A situação de atraso agrícola e industrial, da qual não acabam de desprender-se os países em vias de desenvolvimento é, sem dúvidas, como o assinalava a Sexta Reunião de Cúpula, o resultado de relações internacionais injustas e desiguais. Mas a elas se acrescenta agora, como também se aponta na Declaração de Havana, a crise prolongada da economia internacional.

 

Não vou me estender muito neste aspecto. Explicitemos agora que os Chefes de Estado ou de Governo temos considerado que a crise do sistema econômico internacional não é conjuntural mas que constitui um sintoma de desajustes estruturais e de um desequilíbrio que estão em sua própria natureza; que esse desequilíbrio tem sido agravado pela negativa dos países desenvolvidos de economia de mercado a controlar seus desequilíbrios externos e seus altos níveis de inflação e desemprego; que a inflação foi gerada precisamente nesses países desenvolvidos que agora se resistem a aplicar as únicas medidas que podiam eliminá-la. E apontemos ademais, porque é algo ao qual deveremos referir-nos depois e que também está registrado na Declaração de Havana, que esta crise é também o resultado da persistente falta de equidade nas relações econômicas internacionais, de maneira que resolver essa desigualdade, da forma em que o propomos, contribuirá a atenuar e afastar a própria crise.

 

Quais foram as principais observações que os representantes do Movimento de Países Não Alinhados foram obrigados a formular em Havana?

 

Ali condenamos o persistente desvio de recursos humanos e materiais para uma corrida aos armamentos improdutiva, dilapidadora e perigosa para a humanidade (APLAUSOS). E exigimos que parte considerável dos recursos que agora são empregues em armamentos, nomeadamente pelas principais potências, sejam destinados ao desenvolvimento econômico e social.

 

Expressamos nossa grave preocupação pelo insignificante progresso nas negociações encaminhadas à aplicação da Declaração e do Programa de Ação sobre o estabelecimento de uma Nova Ordem Econômico Internacional. Assinalamos que isso se devia à falta de vontade política da maioria dos países desenvolvidos e censuramos expressamente as táticas dilatórias, diversionistas e divisórias adoptadas por esses países. O fracasso do V período de Sessões da UNCTAD serviu para pôr em evidência essa situação.

 

Comprovamos que o intercâmbio desigual nas relações econômicas internacionais, enunciado como característica essencial do sistema, tem-se tornado, se calhar, ainda mais desigual. Ao passo que os preços da manufatura, os bens de capital, os produtos alimentícios e os serviços que importamos dos países desenvolvidos se incrementam de forma contínua, em câmbio ficam estagnados e estão submetidos a flutuações incessantes os preços dos produtos primários que exportamos. A relação de intercâmbio tem piorado. Colocamos ênfase em que o protecionismo, que foi um dos elementos agravantes da Grande Depressão dos anos 30, voltou a ser introduzido por certos países desenvolvidos. A Conferência lamentou que nas negociações do GATT os países desenvolvidos que pertencem ao mesmo não levassem em conta os interesses e as preocupações dos países em desenvolvimento, e em particular dos menos desenvolvidos.

 

A Conferência denunciou, além disso, como certos países desenvolvidos intensificam o uso de subsídios internos a determinados produtos, em detrimento de produções que são de interesse para os países em desenvolvimento.

 

A Conferência deplorou as deficiências no alcance e funcionamento do Sistema Generalizado de Preferências, e nesse espírito condenou as restrições discriminatórias contidas na Lei sobre Comércio Externo dos Estados Unidos, assim como a posição inflexível de certos países desenvolvidos, que impediram que sobre esses problemas se chegasse a um acordo no V Período de Sessões da UNCTAD.

 

Expressamos nossa preocupação pela constante deterioração da situação monetária internacional. A instabilidade nos tipos de câmbio das principais moedas de reserva e a inflação, que acentuam o desequilíbrio da situação econômica mundial, criam dificuldades adicionais aos países em desenvolvimento, diminuem o valor real das suas receitas de exportação e reduzem o das suas reservas de divisas. Sublinhamos como um fator negativo o crescimento desordenado dos recursos monetários internacionais, basicamente mediante o emprego de dólares desvalorizados dos Estados Unidos e outras moedas de reserva. Notamos que, enquanto a desigualdade das relações econômicas internacionais faz incrementar a dívida externa acumulada dos países em desenvolvimento até mais de 300 biliões de dólares, os organismos financeiros internacionais e a banca privada elevam as taxas de juros, tornam mais curtos os prazos de amortização dos empréstimos e com isso afogam financeiramente aos países em desenvolvimento, constituindo tudo isso, como foi denunciado pela Conferência, um elemento coercitivo nas negociações, o que lhes permite obter vantagens políticas e econômicas adicionais a expensas dos nossos países.

 

A Conferência levou em conta o empenho neocolonialista de impedir aos países em desenvolvimento exercer de maneira permanente e efetiva sua plena soberania sobre os recursos naturais, e reafirmou esse direito. Portanto, apoiou os esforços dos países em desenvolvimento produtores de matérias-primas para obterem preços justos e remuneradores para suas exportações e melhorar em termos reais suas receitas de exportação.

 

Por outra parte, a Conferência colocou mais atenção que nunca ao fortalecimento das relações econômicas e à transferência técnico-científica e tecnológica dos países em vias de desenvolvimento entre si. O conceito do que poderíamos definir como "autossustentação coletiva", ou seja, o apoio mútuo e a colaboração entre os países em vias de desenvolvimento de modo que estes dependem, em primeiro lugar, de suas próprias forças coletivas, cobra na Declaração de Havana uma força que nunca antes teve. Cuba, como Presidente do Movimento e país coordenador, se propõe realizar, junto do Grupo dos 77, todos os esforços necessários para impulsar o Programa de Ação delineado pela Conferência em matéria de cooperação econômica.

 

 

Contudo, não concebemos essa "autossustentação coletiva", como algo sequer parecido à autarquia, vemo-la como um fator das relações internacionais que ponha em xeque todas as possibilidades e recursos desta parte considerável e importante da humanidade, que somos os países em desenvolvimento, para incorporá-la à corrente geral dos recursos e da economia que por sua parte possam mobilizar tanto no campo capitalista quanto nos países socialistas.

 

 

Senhor Presidente:

 

A Sexta Cúpula rejeitou as tentativas de alguns países desenvolvidos que pretendem utilizar a questão da energia para dividir os países em desenvolvimento.

 

O problema da energia, apenas pode ser examinado em seu contexto histórico, levando em conta, de uma parte, como os modelos consumistas de alguns países desenvolvidos levaram à dilapidação dos hidrocarbonetos e advertindo ao mesmo tempo o papel espoliador das empresas transnacionais, beneficiárias até à atualidade dos fornecimentos de energia barata, os que usaram de maneira irresponsável. As transnacionais exploram simultaneamente aos produtores e aos consumidores, obtendo benefícios extraordinários e injustificados de uns e de outros, à vez que pretendem culpar aos países em desenvolvimento exportadores de petróleo da situação atual.

 

Permitam-me recordar que em minhas palavras inaugurais à Conferência assinalei a situação angustiosa dos países em desenvolvimento não produtores de petróleo, nomeadamente os menos avançados, e expressei a certeza de que os Países Não Alinhados produtores de petróleo encontrariam fórmulas para contribuir a mitigar a situação desfavorável daqueles países golpeados já pela inflação mundial e pela desigualdade do intercâmbio, que sofrem sérios déficit de suas balanças de pagamento e um aumento considerável de sua dívida externa. Porém, isso não exclui a responsabilidade central dos países desenvolvidos, seus monopólios e suas empresas transnacionais.

 

Os Chefes de Estado ou de Governo, ao considerar o problema da energia com esse enfoque, colocaram de relevo que o mesmo deveria ser objeto de discussões no contexto das negociações mundiais que se levam a cabo nas Nações Unidas, com a participação de todos os países e relacionando o problema energético com todos os problemas do desenvolvimento, com a reforma financeira e monetária, o comercio mundial e as matérias-primas, de modo que se realize uma análise global dos aspectos vinculados ao estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional.

 

Na revisão dos principais problemas que afetam aos países em vias de desenvolvimento no âmbito econômico mundial, não podia faltar o exame do funcionamento das empresas transnacionais. Mais uma vez se declararam inaceitáveis suas políticas e suas práticas. Imputou-se que na busca de benefícios esgotam os recursos, transtornam a economia e violam a soberania dos países em desenvolvimento, menoscabam os direitos dos povos à livre determinação, interferem os princípios de não ingerência nos assuntos dos Estados e recorrem com frequência ao suborno, à corrupção e a outras práticas indesejáveis, através das quais pretendem subordinar, e subordinam os países em desenvolvimento aos países industrializados.

 

 

Diante dos progressos insuficientes na tarefa de preparar nas Nações Unidas o Código de Conduta que regule as atividades das empresas transnacionais, a Conferência reafirmou a urgência de que essa tarefa conclua rapidamente, com o propósito de proporcionar à comunidade internacional um instrumento jurídico que lhe sirva pelo menos para controlar e regulamentar as atividades das transnacionais, de acordo com os objetivos e aspirações dos países em desenvolvimento.

 

Ao consignar todos os irrefutáveis aspectos negativos na situação econômica dos países em vias de desenvolvimento, a Sexta Reunião de Cúpula chamou muito especialmente a atenção para os problemas que se acumulam sobre os países em desenvolvimento menos avançados em condições desvantajosas, sem litoral e aqueles outros mediterrâneos isolados, e pediu que fossem adotadas medidas urgentes e especiais para mitiga-los.

 

Esse é, Senhor Presidente e senhores representantes, o panorama pouco otimista, e mais bem sombrio e desencorajador, que tiveram perante si os países membros do Movimento Não Alinhado ao se reunir em Havana.

 

Porém, os Países Não Alinhados não se deixaram arrastar para posições de frustração ou exasperação, que resultariam explicáveis. Ao mesmo tempo que elaboraram concepções estratégicas que lhes permitam levar adiante sua luta, os Chefes de Estado ou de Governo reiteraram suas demandas e definiram suas posições.

 

O primeiro objetivo fundamental de nossa luta consiste em reduzir, até elimina-lo, o intercâmbio desigual que hoje prevalece e que converte o comércio internacional em um veículo proveitoso para a espoliação adicional das nossas riquezas. Hoje se troca uma hora de trabalho dos países desenvolvidos por 10 horas de trabalho dos países subdesenvolvidos.

 

Os Países Não Alinhados demandam que se preste uma séria atenção ao Programa Integrado para os Produtos Básicos, que tem sido até agora manipulado e escamoteado nas negociações chamadas "Norte-Sul". Da mesma maneira solicitam que o Fundo Comum, projetado como um instrumento de estabilização de maneira que se estabeleça uma permanente correspondência entre os preços que recebem por seus produtos e os de suas importações, e que apenas tem podido começar a integrar-se, receba um real impulso. Para os Países Não Alinhados esta correspondência que vincule de maneira permanente os preços de suas mercadorias exportadas aos preços dos equipamentos básicos, produtos industriais e matérias-primas tecnológicas, que importa dos países desenvolvidos, constitui um pivô essencial de todas as negociações econômicas futuras.

 

Os países em vias de desenvolvimento exigem que os países que geraram a inflação e a estimulam com sua política adotem as medidas necessárias para controla-la, cessando assim o agravamento dos resultados do intercâmbio não equitativo.

 

Os países em vias de desenvolvimento exigem —e manterão sua luta por obtê-lo— que os artigos industriais de suas incipientes economias tenham acesso aos mercados dos países desenvolvidos; que seja eliminado o vicioso protecionismo reintroduzido na economia internacional e que ameaça conduzir-nos de novo a uma guerra econômica nefasta; que se apliquem de maneira geral e sem ficções enganosas as Preferências Alfandegárias Generalizadas e não Recíprocas, como maneira de permitir o desenvolvimento de suas industrias jovens, sem que as esmaguem no mercado mundial os recursos tecnológicos superiores das economias desenvolvidas.

 

Os Países Não Alinhados consideram que as negociações que estão quase a culminar sobre o Direito do Mar não podem, como o pretendem certos países desenvolvidos, servir para ratificar o desequilíbrio existente no relativo aos recursos marinhos, mas que têm que ser um veículo para sua retificação equitativa. A Conferência de Direito do Mar serviu uma vez mais para pôr de relevo a arrogância e a decisão imperialista de alguns países que, colocando suas possibilidades tecnológicas por em cima do espírito de compreensão e de entendimento que os países em desenvolvimento solicitam, ameaçam com proceder unilateralmente a realizar operações mineiras nos fundos marinhos.

 

A dívida dos países em vias de desenvolvimento já atingiu a cifra de 335 biliões de dólares. Calcula-se que o pagamento total por conceito de serviços da dívida externa ascende a mais de 40 biliões cada ano, o que representa mais de 20% de suas exportações anuais. Por outro lado, a renda per capita média dos países desenvolvidos é agora catorze vezes superior à dos países subdesenvolvidos. Esta situação resulta já insustentável.

 

Os países em vias de desenvolvimento necessitam que sejam estabelecidos novos sistemas de financiamento, mediante os quais recebam os recursos financeiros necessários para o desenvolvimento contínuo e independente de suas economias. Esses financiamentos devem ser a longo prazo e com baixos juros. O uso desses recursos financeiros deve estar à plena disposição dos países em desenvolvimento, para que estes possam estabelecer em suas economias o sistema de prioridades que corresponda com seus planos de desenvolvimento industrial e não sejam absorbidos esses fundos financeiros, como hoje acontece, pelas empresas transnacionais, que beneficiam adicionalmente, aproveitando a suposta contribuição financeira ao desenvolvimento para agravar a deformação de suas economias e obter máximos lucros da exploração dos recursos dos países.

 

Os países em vias de desenvolvimento e, em seu nome, o Movimento de Países Não Alinhados, demandam que uma parte importante dos imensos recursos que a humanidade hoje dilapida na corrida aos armamentos sejam dedicados ao desenvolvimento, o que contribuirá, simultaneamente, a afastar o perigo de guerra e facilitar o melhoramento da situação internacional.

 

Os Países Não Alinhados, expressando as posições de todos os países em vias de desenvolvimento, demandam um novo sistema monetário internacional, que impeça as flutuações desastrosas que hoje sofrem as moedas que prevalecem na economia internacional, em particular o dólar norte-americano. A desordem financeira açoita adicionalmente os países em vias de desenvolvimento, os quais aspiram a que na elaboração do novo sistema monetário mundial eles tenham palavra e decisão como representantes do maior número de países da comunidade internacional e de mais de 1 500 milhões de homens e mulheres.

 

 

Em conclusão, Senhor Presidente e senhores representantes:

 

O intercâmbio desigual, arruína nossos povos. E deve cessar!

 

A inflação que nos é exportada, arruína a nossos povos. E deve cessar!

 

O protecionismo, arruína nossos povos. E deve cessar!

 

O desequilíbrio que existe no que se refere à exploração dos recursos marinhos, é abusivo. E deve ser abolido!

 

Os recursos financeiros que recebem os países em desenvolvimento, são insuficientes. E devem ser aumentados!

 

As despesas em armamentos, são irracionais. Devem cessar e seus fundos empregues em financiar o desenvolvimento!

 

O sistema monetário internacional que hoje predomina, está em bancarrota. E deve ser substituído!

 

As dívidas dos países de menor desenvolvimento relativo e em situação desvantajosa, são insuportáveis e não têm solução. Devem ser canceladas! (APLAUSOS)

 

O endividamento abruma economicamente o resto dos países em desenvolvimento. E deve ser aliviado!

 

O abismo econômico entre os países desenvolvidos e os países que desejam desenvolver-se em vez de diminuir se acrescenta. E deve desaparecer!

 

Tais são as demandas dos países subdesenvolvidos.

 

 

Senhor Presidente, senhores representantes:

 

A atenção a essas demandas, algumas das quais foram apresentadas sistematicamente pelos países em vias de desenvolvimento, nos foros internacionais, através do Grupo dos 77 e do Movimento de Países Não Alinhados, permitiria uma mudança de rumo na situação econômica internacional, que ofereceria aos países em vias de desenvolvimento as condições institucionais para organizar os programas que os situariam definitivamente no caminho do desenvolvimento.

 

Porém, mesmo que todas essas medidas fossem levadas à prática, mesmo que fossem retificados os erros e vícios do presente sistema de relações internacionais, os países subdesenvolvidos careceriam de um elemento decisivo: o financiamento externo.

 

Todos os esforços internos, todos os sacrifícios que fazem e estão dispostos a fazer os povos dos países em vias de desenvolvimento, todas as oportunidades de incrementar seu potencial econômico que seriam atingidos ao eliminar a desigualdade entre os preços de exportação e os de importação e melhorar as condições em que se realiza seu comércio externo não serão, contudo, suficientes. À luz de sua situação financeira real e atual, também precisam de recursos em tal quantidade que lhes permitam, ao mesmo tempo, pagar suas dívidas e empreender as enormes despesas que a nível mundial exige o salto ao desenvolvimento.

 

Aqui também as cifras são conhecidas demais para que tenhamos que as repetir. A Sexta Reunião de Cúpula se preocupou diante do fato de que não apenas a dívida dos países subdesenvolvidos é praticamente insuportável, mas também que esta dívida crescesse cada ano a um ritmo que poderíamos considerar galopante. E os dados que acaba de fornecer o recente relatório do Banco Mundial, emitido nos mesmos dias em que celebrávamos a Conferência de Havana, confirmam que a situação é cada dia mais grave. Apenas no ano 1978 a dívida pública externa de 96 países em desenvolvimento aumentou em uns 51 biliões de dólares. Este ritmo eleva a dívida às cifras astronômicas mencionadas.

 

Não podemos, Senhor Presidente, resignar-nos a este panorama sombrio!

 

Os mais reputados economistas, tanto os ocidentais quanto aqueles que se adscrevem às concepções do marxismo, admitem que a forma em que funciona o sistema de endividamento internacional dos países em vias de desenvolvimento é completamente irracional e que sua manutenção ameaça com uma súbita interrupção, que colocará em perigo todo o precário e instável equilíbrio econômico mundial.

 

Alguns tentam explicar o surpreendente fato econômico de que os centros bancários internacionais continuem fornecendo fundos a países que estão tecnicamente em bancarrota, aduzindo que se trata de uma contribuição generosa para ajudar a esses países a suportar as dificuldades econômicas. Porém não é bem assim. Na verdade, é uma operação de salvamento da própria ordem internacional capitalista. Em outubro de 1978 a Comissão das Comunidades Europeias admitia em forma esclarecedora:

 

"O equilíbrio atual da economia mundial depende em grau considerável de que continue a corrente de empréstimos privados aos países em desenvolvimento não produtores de petróleo... em uma escala sem precedentes antes de 1974, e qualquer impedimento a essa corrente colocará em perigo dito equilíbrio".

 

A falência financeira mundial seria muito dura, em primeiro lugar, para os países subdesenvolvidos e para os trabalhadores dos países capitalistas desenvolvidos. Afetaria também às mais estáveis economias socialistas. Contudo, o sistema capitalista duvidosamente poderia sobreviver a semelhante catástrofe. E seria difícil que a terrível situação econômica resultante não originasse, inevitavelmente, uma conflagração mundial. Já se fala de forças militares especiais para ocupar os campos petrolíferos e as fontes de matérias-primas.

 

Mas se é dever de todos a preocupação por este panorama sombrio, é dever, primeiro, dos que possuem uma maior quantidade de riqueza e bem-estar material.

 

Aos revolucionários, afinal, a perspectiva de um mundo sem capitalismo não nos assusta demais (APLAUSOS).

 

 

Fez-se a proposta de que em lugar do espírito de enfrentamento utilizemos o sentido da interdependência econômica mundial que permita conjugar as forças de todas as economias para obter benefícios comuns, mas o conceito da interdependência apenas é aceitável quando se parte de admitir a injustiça intrínseca e brutal da atual interdependência. Os países em vias de desenvolvimento rejeitam que se lhes proponha como "interdependência" a aceitação da injusta e arbitrária divisão internacional do trabalho, que o colonialismo moderno lhes impôs a partir da revolução industrial inglesa e que o imperialismo aprofundou.

 

Se se quiser impedir a confrontação e a luta, que é o único caminho que aparece aberto para os países em vias de desenvolvimento —um caminho que oferece longos e difíceis combates cujas proporções ninguém poderia agora predizer—, é necessário que todos procuremos e encontremos fórmulas de colaboração para resolver os grandes problemas que, se bem afetam os nossos povos, não podem ser resolvidos sem afetar de alguma maneira os países mais desenvolvidos.

 

Não há muitos anos expressamos que o esbanjamento irracional de bens materiais e a conseguinte dilapidação de recursos econômicos da sociedade capitalista desenvolvida era já insustentável. Qual senão tem sido a causa da dramática crise energética que estamos vivendo? ¿E quem têm que suportar as piores consequências, que não sejam os países subdesenvolvidos não petroleiros?

 

Esses critérios sobre a necessidade de pôr término à dilapidação das sociedades de consumo são hoje uma opinião generalizada.

 

Em um recente documento da Organização de Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial se afirma que:

 

"As modalidades de vida atuais, especialmente nos países industrializados, talvez tenham que experimentar uma mudança radical e dolorosa".

 

É claro que os países em vias de desenvolvimento não podem esperar, nem esperam, que as transformações a que aspiram e os financiamentos que requerem possam chegar-lhes como uma dádiva derivada de meras análises sobre os problemas econômicos internacionais. Neste processo, que implica contradições, luta e negociações, os Países Não Alinhados têm que depender, em primeiro lugar, de suas próprias decisões e esforços.

 

Essa convicção emerge com clareza da Sexta Reunião de Cúpula. Na parte econômica da Declaração Final, os Chefes de Estado ou de Governo reconhecem a necessidade de realizar em seus países as mudanças estruturais necessárias de natureza econômica e social, considerando que é esta a única forma de eliminar a vulnerabilidade atual de suas economias e de converter o simples crescimento estatístico em um verdadeiro desenvolvimento. Apenas assim —o reconhecem os Chefes de Estado—, os povos estariam dispostos a pagar o preço que lhes exigiria ser os protagonistas principais do processo. Como falamos naquela oportunidade: "Se o sistema é socialmente justo, as possibilidades de sobrevivência, e desenvolvimento econômico e social são incomparavelmente maiores".

 

A história do meu país é um exemplo irrefutável disso.

 

A necessidade emergente e inadiável de dar solução ao subdesenvolvimento, faz-nos regressar, Senhor Presidente, ao problema que há um momento abordávamos, e que gostaria que fosse o último apresentado por mim diante desta XXXIV Assembleia-Geral das Nações Unidas. Refiro-me ao financiamento internacional.

 

Um dos fenômenos mais graves que acompanha o endividamento acelerado dos países em vias de desenvolvimento o constitui, segundo referimos, o fato de que a maior parte do dinheiro que recebem do exterior esses países se vêem forçados a emprega-lo para cobrir suas balanças comerciais e de conta corrente negativos, renovar dívidas e pagar juros.

 

Se pegarmos o exemplo dos países em vias de desenvolvimento não exportadores de petróleo, a cuja situação me referi na Conferência de Havana, apenas nos últimos seis anos têm acumulado déficits em suas balanças de pagamentos que ultrapassam os 200 000 milhões de dólares.

 

Face a isso, os investimentos de que realmente precisam os países em vias de desenvolvimento são enormes. E as necessitam, precisamente e em primeiro termo, quase sem exceção, em ramos e produções de escassa rentabilidade, que não atraem aos investidores e prestamistas privados estrangeiros.

 

Para aumentar a produção de alimentos, com o propósito de eliminar a desnutrição desses 450 milhões de pessoas que temos mencionado, haverá que habilitar novos recursos de terras e de água. Segundo cálculos especializados, a superfície total de terra cultivada dos países em desenvolvimento teria que aumentar-se nos próximos 10 anos em 76 milhões de hectares, e as terras de rega em mais de 10 milhões.

 

A reabilitação das obras de rega exige atender 45 milhões de hectares. É por isso que os cálculos mais modestos admitem que a ajuda financeira internacional —e nos referimos à ajuda e não ao fluxo total dos recursos— tem que chegar anualmente a 8 ou 9 biliões de dólares, para conseguir o objetivo de que a agricultura cresça a ritmos entre 3,5 e 4% nos países em desenvolvimento.

 

Se examinarmos a industrialização, os cálculos excedem em muito esses parâmetros. A Conferência da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, ao traçar as metas que mencionamos em sua reunião de Lima, determinou que no centro da política internacional do desenvolvimento teria que estar o financiamento e que este deverá chegar para o ano 2000 a níveis de 450 a 500 biliões de dólares anuais, dos quais um terço —isto é, de 150 a 160 biliões—, terão que ser financiamentos de correntes externas.

 

Porém o desenvolvimento, Senhor Presidente e senhores representantes, não é apenas agricultura e industrialização. Desenvolvimento é, principalmente, a atenção ao ser humano, que tem de ser o protagonista e o fim de qualquer esforço pelo desenvolvimento. Para tomar o exemplo de Cuba, assinalarei que nos últimos cinco anos nosso país tem empregado em investimentos construtivos para a educação uma média de quase 200 milhões de dólares anuais. Os investimentos de construção e equipamentos para a saúde pública se desenvolvem a uma média anual de mais de 40 milhões. E Cuba é apenas um dos quase 100 países em desenvolvimento e um dos mais pequenos geográfica e populacionalmente. Pode estimar-se, por isso, que nos investimentos, nos serviços educacionais e de saúde pública, os países em desenvolvimento necessitarão algumas outras dezenas de milhares de milhões de dólares anuais para vencer os resultados do atraso.

 

Esse é o grande problema que temos por diante.

 

E esse não é senhores, apenas nosso problema, o problema dos países vítimas do subdesenvolvimento e do desenvolvimento insuficiente. É um problema de toda a comunidade internacional.

 

Mais de uma vez se disse que nós fomos forçados ao subdesenvolvimento pela colonização e pela neocolonização imperialista. A tarefa de ajudar-nos a sair do subdesenvolvimento é, pois, em primeiro lugar, uma obrigação histórica e moral daqueles que beneficiaram com a pilhagem das nossas riquezas e com a exploração dos nossos homens e mulheres durante décadas e séculos (APLAUSOS). Mas, é ao mesmo tempo, tarefa da humanidade em seu conjunto, e assim o fez constar a Sexta Reunião de Cúpula.

 

Os países socialistas não participaram na pilhagem do mundo nem são responsáveis do fenômeno do subdesenvolvimento. Mas a obrigação, não obstante, de ajudar a ultrapassá-lo, a compreendem e a assumem partindo da natureza do seu sistema social, em que a solidariedade internacionalista é uma premissa.

 

Da mesma maneira, quando o mundo aguarda que os países em desenvolvimento produtores de petróleo contribuam também à corrente universal de recursos que tem de nutrir o financiamento externo para o desenvolvimento, não o faz em função de obrigações e deveres históricos que ninguém poderia impor-lhes, senão como uma esperança e um dever de solidariedade entre países subdesenvolvidos. Os grandes países exportadores de petróleo devem estar conscientes da sua responsabilidade.

 

Inclusive, os países em desenvolvimento com maior nível devem fazer sua contribuição. Cuba, que não fala aqui em nome dos seus interesses e não defende um objetivo nacional, está disposta a contribuir na medida de suas forças com milhares ou dezenas de milhares de técnicos: médicos, educadores, engenheiros agrónomos, engenheiros hidráulicos, engenheiros mecânicos, economistas, técnicos médios, operários qualificados, etecetera.

 

Por isso, é hora de que todos nos juntemos na tarefa de tirar povos inteiros e centenas de milhões de seres humanos do atraso, da miséria, da desnutrição, da doença, do analfabetismo, que lhes torna impossível desfrutar a plenitude da dignidade e do orgulho de chamar-se homens (APLAUSOS).

 

Portanto, é necessário organizar os recursos para o desenvolvimento, e essa é nossa obrigação conjunta.

 

Existem, Senhor Presidente, tal número de fundos especiais, multilaterais, públicos e privados, cujo objetivo é contribuir a um ou outro aspecto do desenvolvimento, ora agrícola, ora industrial, ora se trate de compensar os déficits nas balanças de pagamento, que não me resulta fácil, ao trazer perante a XXXIV Assembleia os problemas econômicos discutidos na Sexta Reunião de Cúpula, formular uma proposição concreta para o estabelecimento de um novo fundo.

Mas não há dúvida de que o problema do financiamento deve ser discutido profunda e plenamente, para encontrar-lhe uma solução. Além dos recursos que já estão organizados, pelas diferentes vias bancárias, pelas organizações concessionárias, os organismos internacionais e os órgãos das finanças privadas, necessitamos discutir e decidir a maneira de que, ao começar o próximo decênio para o desenvolvimento, em sua estratégia seja incluída a contribuição adicional de não menos de 300 biliões de dólares, aos valores reais de 1977, distribuídos em quantidades anuais que não devem ser menores dos 25 biliões desde os primeiros anos, para serem investidos nos países subdesenvolvidos (APLAUSOS). Esta ajuda deve ser em forma de doações e de créditos brandos a longo prazo e juro mínimo.

 

Resulta imprescindível mobilizar esses fundos adicionais como contribuição do mundo desenvolvido e dos países com recursos, ao mundo subdesenvolvido nos próximos 10 anos. Se quisermos paz, serão necessários esses recursos. Se não houver recursos para o desenvolvimento não haverá paz. Alguns pensarão que estamos pedindo muito; eu acho que a cifra é ainda modesta. Segundo dados estadísticos, como expressei no ato inaugural da Sexta Reunião de Cúpula dos Países Não Alinhados, o mundo investe cada ano em gastos militares mais de 300 biliões de dólares. Com 300 biliões de dólares se poderiam construir em um ano 600 000 de escolas com capacidade para 400 milhões de crianças; ou 60 milhões de moradias confortáveis com capacidade para 300 milhões de pessoas; ou 30 000 hospitais com 18 milhões de leitos; ou 20 000 fábricas capazes de gerar emprego a mais de 20 milhões de trabalhadores; ou habilitar para a rega 150 milhões de hectares de terra, que com um nível técnico adequado podem alimentar a 1 000 milhões de pessoas. Isto é o que a humanidade esbanja cada ano na esfera militar. Considere-se, ademais, a enorme quantidade de recursos humanos em plena juventude, recursos científicos, técnicos, combustível, matérias-primas e outros bens. Este é o preço fabuloso de que não exista um verdadeiro clima de confiança e de paz no mundo.

 

Só os Estados Unidos gastarão no decênio 1980-1990 seis vezes esta cifra em atividades militares.

 

Pedimos para 10 anos de desenvolvimento menos do que hoje se gasta em um ano nos ministérios de Guerra e muito menos da décima parte do que se gastará em 10 anos com fins militares.

 

Para alguns pode parecer irracional a demanda: o verdadeiramente irracional é a loucura do mundo de nossa época e os riscos que ameaçam a humanidade.

 

A enorme responsabilidade de estudar, organizar e distribuir este montante de recursos deve corresponder inteiramente à Organização das Nações Unidas. A administração desses fundos deve ser feita pela própria comunidade internacional, em condições de absoluta igualdade para cada um dos países, ora sejam contribuintes ora beneficiários, sem condições políticas e sem que a quantidade dos donativos tenha nada a ver com o poder de voto para decidir a oportunidade dos empréstimos e o destino dos fundos.

 

Embora o fluxo de recursos deva ser avaliado em termos financeiros, não deve consistir apenas neles. Pode estar formado também por equipamentos, fertilizantes, matérias-primas, combustível e plantas completas, valoradas nos termos do comércio internacional. Também a assistência de pessoal técnico e a formação de técnicos deve ser contabilizada como uma contribuição.

Temos a certeza, estimado Senhor Presidente e senhores representantes, que se o Secretário-
-geral das Nações Unidas —assistido pelo Presidente da Assembleia, com todo o prestígio e o peso desta organização, apoiada ademais, de início, pela influência que os países em vias de desenvolvimento e, ainda mais, o Grupo dos 77, lhe prestariam a essa iniciativa—, convocasse aos diferentes fatores que temos mencionado para iniciar discussões nas quais não haveria lugar para o antagonismo chamado Norte-Sul nem para o denominado antagonismo Leste-Oeste, mas que ali concorreriam todas as forças como uma tarefa comum, como um dever comum e uma esperança comum, esta ideia que apresentamos agora à Assembleia-Geral pode ser coronada pelo sucesso.

 

Porque não se trata de um projeto que beneficie apenas os países em vias de desenvolvimento, beneficiaria a todas as Nações.

 

Como revolucionários, a confrontação não nos assusta. Temos fé na história e nos povos. Porém, como porta-vozes e intérpretes do sentimento de 95 países, temos a responsabilidade de lutar pela colaboração entre os povos. E essa colaboração, se ela é conseguida sobre bases novas e justas, beneficiará a todos os países que constituem hoje a comunidade internacional, e beneficiará em especial à paz mundial.

 

O desenvolvimento pode ser, a curto prazo, uma tarefa que exprima aparentes sacrifícios e até doações que pareçam irrecuperáveis. Mas o vasto mundo que hoje vive no atraso, desprovido de poder aquisitivo, limitado até o extremo em sua capacidade de consumir, incorporará com seu desenvolvimento uma torrente de centenas de milhões de consumidores e produtores, o único capaz de reabilitar a economia internacional, incluída a dos países desenvolvidos que hoje produzem e padecem a crise econômica.

 

A história do comércio internacional tem demostrado que o desenvolvimento é o fator mais dinâmico do comércio mundial. A maior parte do comércio dos nossos dias se realiza entre países plenamente industrializados. Podemos assegurar que enquanto mais se estenda a industrialização e o progresso no mundo, mais se estenderá também o intercâmbio comercial, beneficente para todos.

 

Por isso é que pedimos em nome dos países em vias de desenvolvimento e advogamos pela causa dos nossos países. Mas não é uma dádiva o que estamos reclamando. Se não encontrarmos soluções adequadas, todos seremos vítimas da catástrofe.

 

 

Senhor Presidente, distintos representantes:

 

Fala-se com frequência dos direitos humanos, mas também é preciso falar dos direitos da humanidade.

 

Por quê uns povos hão de andar descalços para que outros viajem em luxuosos automóveis? Por quê uns hão de viver 35 anos para que outros vivam 70? Por quê uns hão de ser miseramente pobres para que outros sejam exageradamente ricos?

 

Falo em nome das crianças que no mundo não têm um pedaço de pão (APLAUSOS); falo em nome dos doentes que não têm medicamentos; falo em nome daqueles aos quais lhes é negado o direito à vida e à dignidade humana.

Uns países têm mar, outros não; uns têm recursos energéticos, outros não; uns possuem terras abundantes para produzir alimentos, outros não; uns tão saturados de máquinas e fábricas estão, que nem respirar se pode o ar das suas atmosferas envenenadas (APLAUSOS), outros não possuem mais do que seus esquálidos braços para ganhar o pão.

 

Uns países possuem, em fim, abundantes recursos, outros não possuem nada. Qual é o destino destes? Morrerem de fome? Serem eternamente pobres? Para o quê serve então a civilização? ¿Para o quê serve a consciência do homem? Para o quê servem as Nações Unidas? (APLAUSOS) ¿Para o quê serve o mundo? Não se pode falar de paz em nome das dezenas de milhões de seres humanos que morrem cada ano de fome ou de doenças curáveis em todo o mundo. Não se pode falar de paz em nome de 900 milhões de analfabetos.

 

A exploração dos países pobres pelos países ricos deve cessar!

 

Sei que em muitos países pobres existem também exploradores e explorados.

 

Dirijo-me às Nações ricas para que contribuam. Dirijo-me aos países pobres para que distribuam.

 

Chega de palavras! Faltam é fatos! (APLAUSOS) Chega de abstrações, faltam é ações concretas! Chega de falar de uma nova ordem econômica internacional especulativa que ninguém entende (RISOS e APLAUSOS); é preciso falar de uma ordem real e objetiva que todos compreendam!

 

Não vim aqui como profeta da revolução; não vim a pedir ou desejar que o mundo se convulsione violentamente. Viemos falar de paz e colaboração entre os povos, e viemos advertir que se não resolvemos pacífica e sabiamente as injustiças e desigualdades atuais o futuro será apocalíptico (APLAUSOS).

 

O barulho das armas, da linguagem ameaçante, da prepotência na cena internacional deve cessar. Chega da ilusão de que os problemas do mundo possam ser resolvidos com as armas nucleares. As bombas poderão matar os esfomeados, os doentes, os ignorantes, mas não podem matar a fome, as doenças, a ignorância. Também não podem matar a justa rebeldia dos povos e no holocausto morrerão também os ricos, que são os que mais têm que perder neste mundo (APLAUSOS).

 

Digamos adeus às armas e consagremo-nos civilizadamente aos problemas mais agoniantes da nossa era. Essa é a responsabilidade e o dever mais sagrado de todos os estadistas do mundo. Essa é, ademais, a premissa indispensável da sobrevivência humana.

 

Muito obrigado!

 

(VERSIONES TAQUIGRAFICAS - CONSEJO DE ESTADO)