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Mandela morreu, por quê ocultar a verdade sobre o Apartheid?

Data: 

18/12/2013

Fonte: 

Cubadebate

Se calhar o império acreditou que nosso povo não honraria sua palavra quando, em dias incertos do passado século, afirmamos que se inclusive a URSS desaparecia, Cuba continuaria lutando. 

A Segunda Guerra Mundial estourou quando, a 1 de setembro de 1939, o nazi-fascismo invadiu Polônia e caiu como um raio sobre o povo heróico da URSS, que contribuiu com 27 milhões de vidas para preservar a humanidade daquela brutal matança que deu cabo da vida de mais de 50 milhões de pessoas.         

A guerra é, por outro lado, a única atividade ao longo da história que o gênero humano nunca tem sido capaz de evitar; o que levou Einstein a responder que não sabia como seria a Terceira Guerra Mundial, porém a Quarta seria com paus e pedras.          

Somados os meios disponíveis pelas duas potências mais poderosas, os Estados Unidos e a Rússia, possuem mais de 20 000 —vinte mil— ogivas nucleares. A humanidade deveria saber bem que, três dias depois da assunção de John F. Kennedy à presidência de seu país, em 20 de janeiro de 1961, um bombardeiro B-52 dos Estados Unidos, em voo de rotina, que transportava duas bombas atômicas com uma capacidade destruidora 260 vezes superior à utilizada em Hiroshima, sofreu um acidente que precipitou o aparelho a terra. Em tais casos, equipamentos automáticos sofisticados aplicam medidas que impedem que as bombas estourem. A primeira caiu na terra sem risco algum; a segunda, dos 4 mecanismos, três falharam, e o quarto, em estado crítico, apenas funcionou; a bomba não explodiu por pura casualidade.     

Nenhum acontecimento presente ou passado de que eu me lembre ou tenha ouvido mencionar, como a morte de Mandela, impactou tanto na opinião pública mundial; e não por suas riquezas, mas pela qualidade humana e a nobreza dos seus sentimentos e ideias.       

No decurso da história, até há apenas um século e meio, e antes que as máquinas e robôs, a um custo mínimo de energias, se ocupassem de nossas modestas tarefas, não existia nenhum dos fenômenos que hoje comovem a humanidade e regem inexoravelmente cada uma das pessoas: homens ou mulheres, crianças e idosos, jovens e adultos, agricultores e operários fabris, manuais ou intelectuais. A tendência dominante é a de instalar-se nas cidades onde a criação de empregos, transporte e condições elementares de vida, demandam enormes investimentos em detrimento da produção alimentar e outras formas de vida mais razoáveis.

Três potências já fizeram descender engenhos na Lua do nosso planeta. No mesmo dia em que Nelson Mandela, envolto na bandeira de sua pátria, foi sepultado no quintal da humilde casa onde nasceu há 95 anos, um módulo sofisticado da República Popular China descendia em um espaço iluminado da nossa Lua. A coincidência de ambos os acontecimentos foi absolutamente casual.     

Milhões de cientistas investigam matérias e radiações na Terra e no espaço; por eles se sabe que Titã, uma das luas de Saturno, acumulou 40  —quarenta— vezes mais petróleo do que o existente em nosso planeta quando começou a exploração deste combustível há apenas 125 anos, e ao ritmo atual de consumo durará apenas mais um século.  

Os fraternos sentimentos de irmandade profunda entre o povo cubano e a pátria de Nelson Mandela nasceram de um fato que nem sequer tem sido mencionado, e do qual não tínhamos dito uma palavra ao longo de muitos anos; Mandela, porque era um apóstolo da paz e não desejava magoar ninguém. Cuba, porque jamais realizou ação alguma à procura de glória ou prestígio.   

Quando a Revolução triunfou em Cuba fomos solidários com as colônias portuguesas na África, desde os primeiros anos; os Movimentos de Libertação nesse continente punham em xeque o colonialismo e o imperialismo após a Segunda Guerra Mundial, e a libertação da República Popular China —o país mais povoado do mundo—, depois da vitória gloriosa da Revolução Socialista Russa.   

As revoluções sociais comoviam os alicerces da velha ordem. Os habitantes do planeta, em 1960, já atingiam 3 bilhões de habitantes. Paralelamente cresceu o poder das grandes empresas transnacionais, quase todas nas mãos dos Estados Unidos, cuja moeda, apoiada no monopólio do ouro e da indústria intata pelo longínquo das frentes de batalha, tornou-se dona da economia mundial. Richard Nixon derrogou unilateralmente o apoio de sua moeda em ouro, e as empresas de seu país se apoderaram dos principais recursos e matérias-primas do mundo, que adquiriram com papéis.    

Até aqui não tem nada que não seja conhecido.   

Porém, por que se pretende ocultar que o regime do Apartheid, que tanto fez sofrer a África e indignou a maioria esmagadora das nações do mundo, era fruto da Europa colonial e foi convertido em potência nuclear pelos Estados Unidos e Israel, o qual Cuba, um país que apoiava as colônias portuguesas na África que lutavam por sua independência, condenou abertamente?    

Nosso povo, que tinha sido cedido por Espanha aos Estados Unidos após a heróica luta durante mais de 30 anos, nunca se resignou ao regime escravagista que lhe impuseram durante quase 500 anos.     

Da Namíbia, ocupada por África do Sul, partiram em 1975 as tropas racistas apoiadas por tanques ligeiros com canhões de 90 milímetros que penetraram mais de mil quilômetros até as proximidades de Luanda, onde um Batalhão de Tropas Especiais cubanas—enviadas por ar— e várias tripulações também cubanas de tanques soviéticos que ali estavam sem pessoal, as conseguiu travar. Isso aconteceu em novembro de 1975, 13 anos antes da Batalha de Cuito Cuanavale.   

Já falei que nada fazíamos à procura de prestígio ou benefício algum. Mas constitui um fato bem real que Mandela foi um homem íntegro, revolucionário profundo e radicalmente socialista, que com grande estoicismo suportou 27 anos de cárcere solitário. Eu não deixava de admirar sua honradez, sua modéstia e seu enorme mérito.    

Cuba cumpria seus deveres internacionalistas a rigor. Defendia pontos chaves e cada ano treinava milhares de angolanos no manejo das armas. A URSS fornecia o armamento. Contudo, naquela época não partilhávamos a ideia do assessor principal por parte dos fornecedores do equipamento militar. Milhares de angolanos jovens e saudáveis ingressavam constantemente nas unidades de seu incipiente exército. O assessor principal não era, não obstante, um Zhúkov, Rokossovski, Malinovsky ou outros muitos que preencheram de glória a estratégia militar soviética. Sua ideia obsessiva era enviar brigadas angolanas com as melhores armas ao território onde supostamente residia o governo tribal de Savimbi, um mercenário ao serviço dos Estados Unidos e da África do Sul, que era como enviar as forças que combatiam em Stalinegrado à fronteira da Espanha falangista que enviara mais de cem mil soldados a lutarem contra a URSS. Nesse ano se estava produzindo uma operação desse tipo.

O inimigo avançava trás as forças de várias brigadas angolanas, golpeadas nas proximidades do alvo aonde eram enviadas, a aproximadamente 1 500 quilômetros de Luanda. Dali vinham perseguidas pelas forças sul-africanas em direção a Cuito Cuanavale, antiga base militar da NATO, a uns 100 quilômetros da primeira Brigada de Tanques cubana.    

Nesse instante crítico o Presidente de Angola solicitou o apoio das tropas cubanas. O chefe das nossas forças no Sul, General Leopoldo Cintra Frias, falou-nos do pedido, algo que costumava ser habitual. Nossa resposta firme foi que prestaríamos esse apoio se todas as forças e meios angolanos dessa frente se subordinassem ao comando cubano no Sul de Angola. Toda a gente compreendia que nossa solicitação era um requisito para converter a antiga base no campo ideal para golpear as forças racistas da África do Sul.    

Em menos de 24 horas chegou de Angola a resposta positiva.       

Decidiu-se o envio imediato de uma Brigada de Tanques cubana para esse ponto. Várias outras estavam na mesma linha para o Oeste. O obstáculo principal era a lama e a umidade da terra em época de chuva, que era preciso rever metro a metro contra minas antipessoais. Para Cuito foram enviados igualmente o pessoal para operar os tanques sem tripulação e os canhões que careciam delas.    

A base estava separada do território que se localiza a Leste pelo caudaloso e rápido rio Cuito, sobre o qual se sustentava uma sólida ponte. O exército racista a atacava desesperadamente; um avião telecomandado repleto de explosivos conseguiu impactar sobre a ponte e inutilizá-la. Os tanques angolanos em retirada que podiam se movimentar cruzaram por um ponto mais ao Norte. Os que não estavam em condições adequadas foram enterrados, com suas armas apontando para o Leste; uma densa faixa de minas antipessoais e antitanques tornaram a linha em uma mortal armadilha do outro lado do rio. Quando as forças racistas reiniciaram o avanço e chocaram contra aquela muralha, todas as peças de artilharia e os tanques das brigadas revolucionárias disparavam desde seus pontos de localização na zona de Cuito.     

Um papel especial foi reservado para os caças Mig-23 que, a velocidade próxima dos mil quilômetros/hora e a 100  —cem— metros de altura, eram capazes de distinguir se o pessoal artilheiro era negro ou branco, e disparavam incessantemente contra eles.           

Quando o inimigo desgastado e imobilizado começou a retirada, as forças revolucionárias se prepararam para os combates finais.     

Numerosas brigadas angolanas e cubanas se movimentaram com um ritmo rápido e a uma distancia adequada rumo ao Oeste, onde estavam as únicas vias amplas por onde sempre os sul-africanos iniciavam suas ações contra Angola. Contudo, o aeroporto estava aproximadamente a 300 —trezentos— quilômetros da fronteira com a Namíbia, ocupada totalmente pelo exército do Apartheid.    

Enquanto as tropas se reorganizavam e reequipavam, decidiu-se com toda urgência construir uma pista de aterragem para os Mig-23. Nossos pilotos estavam utilizando os equipamentos aéreos entregues pela URSS a Angola, cujos pilotos não tinham contado com o tempo necessário para sua adequada instrução. Vários aparelhos aéreos estavam descontados por baixas que às vezes eram ocasionadas por nossos próprios artilheiros ou operadores de meios antiaéreos. Os sul-africanos ainda ocupavam uma parte da estrada principal que conduz desde o bordo do planalto angolano até Namíbia. Nas pontes sobre o caudaloso rio Cunene, entre o Sul de Angola e o Norte da Namíbia, começaram nesse lapso com o joguinho de seus disparos com canhões de 140 milímetros que outorgava a seus projéteis um alcance próximo dos 40 quilômetros. O problema principal radicava no fato de que os racistas sul-africanos possuíam, segundo nossos cálculos, entre 10 e 12 armas nucleares. Tinham feito provas inclusive nos mares ou nas áreas congeladas do Sul. O presidente Ronald Reagan o tinha autorizado, e entre os aparelhos entregues por Israel estava o dispositivo necessário para fazer estourar a carga nuclear. Nossa resposta foi organizar o pessoal em grupos de combate de não mais de 1 000 —mil— homens, que deviam marchar à noite em uma ampla extensão de terreno e dotados de carros de combate antiaéreos.     

As armas nucleares da África do Sul, segundo informações fidedignas, não podiam ser carregadas por aviões Mirage, precisavam de bombardeiros pesados do tipo Canberra. Mas em qualquer um dos casos a defesa antiaérea das nossas forças dispunha de numerosos tipos de mísseis que podiam golpear e destruir alvos aéreos até dezenas de quilômetros das nossas tropas. Adicionalmente, uma barragem de
80 milhões de metros cúbicos de água situada em território angolano fora ocupada e minada por combatentes cubanos e angolanos. O estouro daquela barragem tivesse sido equivalente a várias armas nucleares.     

Não obstante, uma hidrelétrica que aproveitava as fortes correntes do rio Cunene, antes de chegar à fronteira com a Namíbia, estava sendo utilizada por um destacamento do exército sul-africano.        

Quando no novo teatro de operações os racistas começaram a disparar os canhões de 140 milímetros, os Mig-23 golpearam fortemente aquele destacamento de soldados brancos, e os sobreviventes abandonaram o lugar deixando inclusive alguns letreiros críticos contra seu próprio comando. Tal era a situação quando as forças cubanas e angolanas avançavam rumo às linhas inimigas.          

Soube que Katiuska Blanco, autora de vários relatos históricos, junto de outros jornalistas e repórteres gráficos, estava ali. A situação era tensa, mas ninguém perdeu a calma.       

Foi então que chegaram notícias de que o inimigo estava disposto a negociar. Tinha-se conseguido pôr termo à aventura imperialista e racista; em um continente que em 30 anos terá uma população superior à da China e a Índia juntas.     

O papel da delegação de Cuba, por ocasião do falecimento do nosso irmão e amigo Nelson Mandela, será inesquecível.           

Felicito o companheiro Raúl por seu brilhante desempenho e, em especial, pela firmeza e dignidade quando, com gesto amável, mas firme, cumprimentou o chefe do governo dos Estados Unidos e lhe disse em inglês: “Senhor presidente, eu sou Castro”.           

Quando mina própria saúde pôs limite a minha capacidade física, não hesitei um minuto em expressar meu critério sobre quem em minha opinião podia assumir a responsabilidade. Uma vida é um minuto na história dos povos, e acredito que quem assuma hoje tal responsabilidade precisa da experiência e da autoridade necessária para optar diante de um número crescente, quase infinito, de variantes.          

O imperialismo sempre reservará várias cartas para curvar nossa ilha mesmo que tenha que despovoá-la, privando-a de homens e mulheres jovens, oferecendo-lhe migalhas dos bens e recursos naturais que pilha do mundo.       

Que falem agora os porta-vozes do império sobre como e por que surgiu o Apartheid.            



Fidel Castro Ruz    
18 de dezembro de 2013  
20h35